ARTIGO - Artista de circo: experiências de vida no Reino Unido

17/01/2022


*Saulo Menezes

Sempre amei o circo, desde os pequenos que iam visitar o meu bairro em Aracaju até os maiores, que não chegavam a adentrar espaços tidos como periféricos, de mal renome, perigosos e dominados pela criminalidade. O meu modo de ver o mundo na infância não se preocupava com tais desigualdades, preconceitos ou discriminações de classe e raça.

Simplesmente, o circo era onde eu via pessoas se transformarem e passarem a me transportar a um mundo de vislumbres, mágica e sonho. Quando uma amiga resolveu largar tudo e ir viver num circo, pensei que era a coisa mais impressionante que alguém poderia fazer. Mas este não foi o caminho que escolhi.

De um certo modo, a adaptabilidade do artista circense é o que me faz poder ser quem eu sou e me apresentar ao mundo da maneira pela qual possa ser visto, compreendido e respeitado onde quer que esteja. Após vinte anos fora do Brasil, desenvolvi uma forma única de me transformar no que esperam que eu seja para poder fazer parte de uma sociedade que me acolheu, mesmo com todas as minhas diferenças étnicas, culturais e linguísticas. Não deixo de ser quem sou. Simplesmente, entro no palco da vida do modo pelo qual devo agir a depender dos momentos e dos locais onde o meu circo resolva passar.

Há dias que me transformo em equilibrista. Subo na corda bamba e faço dela o meu caminho, mesmo se tortuoso e causando vertigem. Em certas horas, passo a ser malabarista — tentando equilibrar minha vontade de ser quem sou com as exigências impostas pelas sociedades nas quais adentro, sejam elas no país que adotei ou por via das diversas culturas às quais tive a oportunidade de ter contato. De vez quando, ergo os braços e me torno palhaço – desafiando o status quo e fazendo o que me der na telha.

Lembro bem do meu começo de vida neste circo mágico a que me refiro; recém chegado do Brasil em um clima frio, sem suportar ter que usar sapatos e casacos o tempo inteiro, com poucas opções para usar o meu idioma materno. Com o passar do tempo, o meu segundo idioma tornou-se essencial e o meu primeiro deixou de ser útil (a não ser quando havia oportunidade de entrar em contato com familiares e amigos). A estranheza ficou evidente ao visitar o  meu país de origem, e ter dificuldades no uso de certos termos, expressões e até ao pronunciar algumas palavras. Houve até ocasiões nas quais eu misturava os idiomas nas mesmas sentenças…

Mais adiante, nem o primeiro e nem o segundo idioma serviam para me comunicar e tive que aprender um terceiro para poder interagir e ser compreendido pelos demais. Depois de algum tempo, entendi que não eram só os idiomas que me permitiriam executar os meus diversos papéis de artista circense. Também tinha que entender maneirismos, regras de etiqueta, formas de comportamento e jeitos de se pensar.

A metamorfose permeia todos os cantos onde quer que eu vá. Por outro lado, permaneço sendo quem sou — mais velho, experiente, tendo conhecido lugares, culturas e acrescentado um pouco de cada experiência à minha lista de talentos circenses para que assim possa viver do jeito que for preciso, e abrigar em mim um elo entre o que é esperado de mim nos cantos do mundo pelos quais passo, e o que realmente sou, debaixo da minha pele.

Felizmente, por intermédio da Internet e das redes sociais, hoje posso ter mais contato com o português. Todavia, a minha transformação é contínua. Uma vez exposto às influências de outrem, não há forma de retornar ao princípio do meu despertar como um ser capaz de se expressar apenas no seu idioma materno.

 

Saulo Menezes de Oliveira Priez graduou-se em Comunicação Social

e Jornalismo na Universidade Federal de Sergipe, e vive há pouco mais

de vinte anos na Inglaterra, onde firmou-se e construiu a vida e carreira

na área de Comunicação, apesar das diferenças linguísticas e culturais.

Neste texto, ele expressa como teve que se adaptar aos estrangeirismos que,

em seguida, passaram a pertencer ao seu modo de viver a vida e enxergar o mundo.

 

 

 



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