Consciência Negra: o Brasil é um lugar seguro para os negros?
20/11/2019
Por Andréa Moura
Todos os anos, nesta mesma data, 20 de novembro, quando é celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, infelizmente as abordagens nos jornais, nas peças publicitárias e nas rodas de conversa entre amigos continuam sendo as mesmas: vidas negras importam sim; o número de negros (homens e mulheres) assassinados é maior que o número de não negros sim; o preconceito e a discriminação social ainda imperam... sim!
Em junho deste ano o IPEA apresentou o Atlas da Violência com dados referentes ao ano de 2017. O documento mostrou que 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil são negras, a maior proporção da última década. A taxa foi de 43,1 por 100 mil habitantes – no caso dos negros (pretos e pardos segundo classificação do IBGE), e de 16 para os mesmos 100 mil, em caso de pessoas não negras (índios, brancos e amarelos). Em Sergipe, no ano de 2017, por exemplo, foram assassinados 1.168 homens negros, enquanto os casos com não negros foram 67. Entre as mulheres, a quantidade de homicídios de negras foi de 64 e as de não negras, 12.
A diferença salarial em consequência da cor da pele também insiste em existir, mesmo que as habilidades estejam equiparadas, ou mesmo quando os negros sobressaem-se ou estão melhores preparados para a função. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), divulgada em outubro deste ano mostraram que em 2018 os trabalhadores brancos receberam, em média, 75% a mais que os pretos e pardos. Enquanto brancos recebiam, em média, R$ 2.897, pretos e pardos tinham rendimentos de R$ 1.636 e R$ 1.659, respectivamente.
Esta semana, novo estudo do IBGE mostrou que a população negra foi a única que apresentou aumento na taxa de desemprego, saltando de 14,5% para 14,9%. Entre a população branca esta taxa caiu de 9,5% para 9,2%, e entre a população parda o índice de desemprego desceu de 14% para 13,6%.
O preconceito e a discriminação também teimam em fazer vítimas. Em 2018, o Disque Direitos Humanos do governo Federal recebeu 615 denúncias de racismo, embora acredite que este seja um número irreal, subnotificado. “Ah, mas, os casos deste tipo caíram”, alguém pode dizer. Podem até ter caído, mas, continuam ferindo almas quando uma pessoa diz a outra para não tocar nela por causa da cor da pele, ou uma mulher em seu local de trabalho é hostilizada e chamada pejorativamente de crioula, ou, ainda, quando outro trabalhador é chamado de macaco por ser negro.
Eles (o preconceito e a discriminação) continuam aparecendo, estampados e naturalizados na tela da minha TV quando vejo o comercial de um órgão institucional dizer que oferecer emprego para jovem aprendiz é legal, é do bem, e a menina que “atua” no setor de exportação é branca, mas, o jovem aprendiz que está na lanchonete como garçom tem a cor preta. Nem todos os ataques são palpáveis, muitos são sutis na forma de apresentação, porém, todos são grosseiros, aviltantes, humilhantes.
Também existe a hipersexualização dos negros com comentários e crenças que vão de vulgar a amoral e, principalmente, imoral. Quem já não ouviu comparações a respeito do tamanho do órgão sexual do homem negro e, neste contexto, o compara a alguns animais? Muitas mulheres negras já foram cantadas com frases envolvendo a genitália feminina e algumas crenças que dizem respeito à temperatura corporal e ao desempenho sexual. São coisas absurdas e desrespeitosas que, infelizmente, continuam acontecendo.
Como o Brasil se tornou o país do mi-mi-mi quando o assunto diz respeito às minorias (minorias não por questão de quantidade, e sim de acesso aos direitos básicos) é bem provável que alguém, ao mesmo tempo em que está lendo esse texto deva estar pensando: quanta baboseira, nada disso existe! Talvez esta pessoa nunca tenha sido preterida em alguma oportunidade de emprego por causa da cor ou do cabelo black que ostenta com orgulho; talvez nunca tenha sido hostilizada na rua e chamada de feia pelos mesmos motivos; talvez nunca tenha sido seguida, ou melhor, perseguida dentro de uma loja de departamento ou supermercado para ver se iria esconder algo dentro da bolsa; talvez nunca tenha ouvido um “você deve ser boa de cama, porque dizem que as negras são muito quentes”.
É verdade que muitos negros conseguiram e estão conseguindo lugar de destaque em meio a essa mesma sociedade que ainda respinga muito machismo, preconceito e diferenciação social, coisas que sequer deveriam existir. Porém, é mais verdade, ainda, que essas mesmas pessoas tiveram que se dedicar mais, se esforçar mais, lutar bem mais para conseguir chegar e se manterem onde estão, além de terem que provar, todos os dias, que estão onde estão porque não foram beneficiadas. É meu caro, minha cara, como diriam os Engenheiros do Hawaii “todos iguais, todos iguais, mas, uns mais iguais que os outros”. (Foto: banco de imagens da Internet)