Coronavírus perde espaço na mídia por causa de briga entre Moro e Bolsonaro

24/04/2020


Por Andréa Moura

Hoje, 24 de abril, foi o primeiro dia, desde 26 de fevereiro de 2020, quando o Ministério da Saúde anunciou o primeiro caso de infecção por coronavírus no país, que a pandemia não foi o tema central dos principais noticiários do Brasil, nem mesmo por causa das 764 mortes por COVID-19 registradas nas últimas 48 horas, elevando para 3.677 os óbitos oficiais. A bola da vez foi o racha e as trocas de acusações entre o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Mouro, e o presidente da República, Jair Bolsonaro. Moro pediu demissão no final da manhã desta sexta-feira por meio de pronunciamento à imprensa, o que, de certa forma, deixou o presidente irritado, como ele mesmo deu a entender durante pronunciamento realizado no final da tarde para rebater as acusações recebidas.

Com um discurso confuso, que enalteceu dotes de economia doméstica ao falar que mandou desligar o aquecedor da piscina olímpica do Palácio da Alvorada, e trocar o menu das refeições como forma de demonstrar que tem zelo com a coisa pública, Bolsonaro comparou a importância das Polícias Federal e Rodoviária Federal ao Inmetro, quando disse que falou com o ministro Paulo Guedes (da Economia) que iria “implodir” o órgão de metrologia porque estaria exigindo da população a troca de tacógrafos e taxímetros.

Porém, não respondeu claramente a denúncia principal feita por Sérgio Moro e que, segundo o ex-magistrado, teria motivado o pedido de demissão: o desejo do presidente de agir com ingerência político-partidária dentro da Polícia Federal e, consequentemente, com cerceamento da autonomia da PF. De acordo com o ex-ministro, o presidente do Brasil disse a ele, mais de uma vez, expressamente, “que queria uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja superintendente, e este não é o papel da PF, ela tem que ser preservada”, disparou o ex-juiz da Lava Jato.  

“Quando se começa a preencher cargos técnicos, principalmente de polícia, com indicação política partidária o resultado não é bom, para a corporação, inclusive”. Bolsonaro garante nunca ter interferido no trabalho da PF, porém, o chefe do Poder Executivo disse que a Polícia Federal preocupou-se mais em descobrir quem mandou matar e quem matou, a tiros, a vereadora do PSOL do Rio de Janeiro e o motorista dela, Anderson Gomes, mas, não se preocupou em descobrir quem mandou dar a facada nele durante a campanha presidencial, tendo, praticamente, que implorar a Sérgio Moro para dar andamento às investigações sobre o caso.

“Será que é interferir pedir ou quase implorar para descobrir quem mandou me matar? Se preocupou mais com Marielle do que com seu chefe supremo, e eu não interferi. Acho que todas as pessoas de bem entendem que entre o meu caso e o de Marielle, o meu está muito menos difícil de elucidar. Isso é interferir na PF?”, questionou Jair Bolsonaro, reclamando que, diariamente, tinha que pedir relatórios da PF para, segundo ele, saber como agir para decidir os destinos da Nação.

RELAÇÃO TRINCADA

Foto: Marcos Corrêa/PR

O azedar da relação entre Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, que parece ter iniciado no segundo semestre de 2019, veio à tona para o público em geral na manhã desta sexta, 24, quando Brasília acordou sabendo que, no calar da madrugada, o presidente usou a tão falada caneta bic azul para exonerar o Diretor-Geral da Polícia Federal, Maurício Leite Valeixo, homem de confiança do ex-ministro e a quem ele não queria exonerar.

“A partir do segundo semestre do ano passado teve início a insistência do presidente pela troca do comando da PF e isso, inclusive, foi declarado publicamente por ele. Houve primeiro o desejo de trocar o superintendente da PF do Rio de Janeiro sem que houvesse motivo para substituição. O então superintendente acabou saindo por motivos pessoais, mas, a substituição foi técnica”, relembrou Sérgio Moro.

Ele disse, ainda, que após o RJ, o alvo de Bolsonaro passou a ser o diretor geral da instituição, mesmo não havendo nada que justificasse a dispensa. Garantiu que não haveria qualquer problema em realizar a troca do diretor, desde que estivesse relacionada à insuficiência de desempenho ou um erro grave, o que, de acordo com o ex-magistrado, nunca fora percebido, pelo contrário, pois, sempre houve um trabalho bem-feito de Maurício Valeixo que, inclusive, ajudou na queda das estatísticas criminais, indicador relevante de que o trabalho estava sendo positivo.

“Soube da exoneração pelo DOU, na madrugada. Não assinei este decreto, em nenhum momento ele me foi trazido e, também, o Diretor-Geral da PF não apresentou pedido formal de exoneração. Ele me comunicou que recebeu ligação dizendo que a exoneração dele seria a pedido. Fui surpreendido com isso tudo, foi ofensivo. Para mim, esse último ato, essa precipitação na exoneração sem justificativa demonstra que o presidente me quer fora do cargo. Tive divergências, muitas convergências, recebi e dei apoio ao presidente em momentos importantes. Tenho outras divergências, mas, não vou falar agora delas, fica para outra ocasião”, ameaçou Sérgio Moro.

Mesmo não sabendo da exoneração, no Diário Oficial da União da manhã deste dia 24 o documento não só continha a anuência de Moro, como também a informação de que a saída do Diretor-Geral da PF teria sido a pedido. No início da noite desta sexta-feira, uma retificação do documento de exoneração de Valeixo foi publicada no DOU, desta vez, sem a assinatura do ex-ministro da Justiça, mas com as de Wlater Souza Braga Netto, Jorge Antonio de Oliveira Francisco e a do presidente. Ao contrário de Moro, Bolsonaro não acha que o trabalho de Maurício Valeixo estava sendo bem-feito e um dos pontos negativos estaria ligado ao caso Marielle Franco, como já citado nesta matéria.

A CARTA BRANCA AMARELOU?

Exoneração de Maurício Valeixo foi a gota d'água. Foto da Internet

Para deixar para trás 22 anos de uma carreira consolidada e respeitada na magistratura no estado do Paraná, Sérgio Mouro afirma ter colocado apenas duas imposições: ter carta branca para nomear a equipe dele e, caso acontecesse algo sério, uma vez que estaria na linha de frente do combate ao crime organizado e tráfico de drogas, que fosse dado à família dele uma pensão para que não passassem necessidade.

Os dois pedidos foram acatados, de acordo com Moro, mesmo o segundo não estando previsto nas leis do Brasil. Negou que houvesse atrelado à ida à equipe do governo com up na carreira, sendo indicado ao STF, mas, Bolsonaro disse que esta negociação existiu, só que recentemente, em troca da saída de Valeixo. No Twitter, Moro escreveu que “a permanência do Diretor-Geral da PF nunca foi utilizada como moeda de troca pra minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do Diretor-Geral da PF”.

Segundo Moro, o problema instalado foi provocado por duas questões centrais: a violação da promessa de carta branca feita por Bolsonaro, e a substituição de Maurício Valeixo sem motivo algum, o que causaria grande abalo na credibilidade não só da Polícia Federal, mas, também, do governo Federal e do próprio então ministro, uma vez que o compromisso assumido pelos dois, publicamente, foi de seguir e manter a Lei, e serem firmes no combate à corrupção. Bolsonaro rebateu dizendo que autonomia não é soberania, que a prorrogativa de indicação e nomeação é dele e, no dia que tiver que submeter as vontades dele às de um subordinado, que deixará de ser o presidente da República.

O ex-magistrado reconhece que existem outros bons nomes para assumir o cargo de Diretor-Geral da PF, outros delegados igualmente competentes, porém, o grande problema não é quem entra, mas sim, por que entra. “Alguém que receba a corporação aceitando a substituição do atual Diretor, alguém que não consiga dizer não para o presidente em uma proposta desta espécie, fico na dúvida se vai conseguir dizer não em relação a outros temas”, disparou Moro, denunciando, ainda, que o presidente Jair Bolsonaro tinha, também, preocupação com inquéritos que estão em curso no Supremo Tribunal Federal (STF).

Por sentir, segundo ele, que tem o dever de tentar proteger a Polícia Federal e a autonomia de trabalho dela, que foi, inclusive, respeitado em outros governos como os de Lula e de Dilma, quando estava a pleno vapor o processo da Operação Lava-Jato e, ainda, por respeitar o Estado de Direito e a própria biografia, ainda tentou buscar solução alternativa ao problema, que seria a de apresentar nomes técnicos para ficar no lugar de Valeixo, o que, também, não foi acatado.

Sérgio Moro disse não saber qual será o nome indicado para assumir a PF, tendo ouvido comentários de que uma das possibilidades seria um delegado que passou mais tempo no Congresso que na ativa da PF, ou o presidente da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN.

Desmentiu que a saída de Valeixo tenha sido a pedido, afinal de contas, segundo ele, o ápice na carreira de qualquer policial federal é chegar à Diretoria-Geral, “mas, claro que após tantas pressões feitas pelo governo para que ele saísse, de fato manifestou a mim que talvez fosse melhor sair para diminuir a cisma e possibilitar uma substituição adequada, mas, nunca foi voluntária e sim em decorrência dessa pressão”, contou Moro.

Confessou que em um futuro próximo procurará emprego, porque não acumulou riquezas quando juiz ou ministro, mas, por hora, vai preferir descansar, embora esse tempo “de pernas para o ar” pareça não estar perto, tendo em vista a tempestade iniciada por ele hoje, e cuja data de acabar ainda não seja prevista.



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