CRÔNICA: O bem que fazem as boas notícias!

07/05/2020


O primeiro paciente berlinense recuperado do vírus saltitava sorridente em direção ao repórter da RBB, uma emissora local de TV da Alemanha, onde moro. Foi uma das cenas mais emocionantes que eu vi depois de muitos dias. Em meio ao desconsolo trazido pela pandemia, até achei que fosse cena de filme, mas era uma reportagem. Ver aquele jovem de 22 anos saudável, caminhando serelepe em uma rua de Berlim encheu meu coração de esperança.

Em sites brasileiros, dois personagens afagaram meu espírito. Um senhor e uma senhora, por volta dos 90 anos, haviam vencido o vírus e deixavam o hospital. As máscaras que usavam não permitiram que eu guardasse suas fisionomias, mas não os esqueci. O aceno daquele senhor vitorioso, com um frágil levantar de braço, foi reconfortante. Peguei carona na cadeira de rodas que o carregava e fui com ele para um refúgio de paz em algum lugar.

Eu continuo procurando boas manchetes, mas nem sempre tenho achado. O portal alemão Berliner Morgenpost atualiza diariamente um monitor com os índices da pandemia apresentados em círculos de três cores. O preto contabiliza as mortes; o vermelho, as infecções; o verde indica pessoas que superaram o vírus e estão novamente saudáveis. Ah, se a gente pudesse pintar os círculos da cor que quisesse…

A MÍMICA DAS MÃOS

Em tempos como os esses há uma tendência para as más notícias, que também são exploradas exaustivamente porque dão audiência. Mas, é preciso prestar atenção nas chamadas e nos títulos que subvertem esse critério. Histórias de vizinhos que se apoiam e comunidades que se organizam em redes de solidariedade chegam pela imprensa, pelos grupos de WhatsApp e por amigos.

No epicentro de todos os acontecimentos, as tão lavadas e desinfetadas mãos têm mímicas que vão além da higiene preventiva. Algumas se movimentam lentamente ao acompanhar poemas declamados em janelas de edifícios e outras tocam violão, piano ou percussão em garagens e varandas de residências.

Generosas mãos artesãs costuram máscaras que protegem, enquanto outras acolhem e curam pacientes. Há mãos fervorosas que se juntam em preces aos santos ou que trazem oferendas para os orixás. E há aquelas que, no dedilhar do teclado, atualizam minuto a minuto as notícias.

VALORIZAR A ESPERANÇA

No mundo todo, a pandemia tem deixado rastros de preocupações, precauções e mortes. Nos bastidores da política brasileira, genocidas movidos pelos mais escusos interesses sujam as mãos e descortinam sua crueldade. Mas, é bom procurar, aqui e acolá, o pulsar da vida no noticiário. O jornalismo que às vezes traz informações que, embora necessárias, nos aterrorizam, também tem espaço para boas novas.

Em tempos difíceis é preciso ter força e coragem, mas, é sempre necessário valorizar a esperança. Por isso, emoldurei e guardei nas paredes da memória imagens como a do paciente serelepe, do simpático casal voltando para casa e das artesãs que costuram máscaras. São reportagens como essas que recuperam o entusiasmo necessário para a vida, para o futuro. Ah, como fazem bem as boas notícias!

Sobre o autor

Enio Moraes Júnior é  um jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP/Brasil), vive em Berlim desde 2017.

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Este texto foi publicado, originalmente, no site do Grupo de Pesquisas Jornalismo Popular e Alternativo – Alterjor, da USP. (Imagem: ilustração retirada da Internet)



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