Crônica - O que teríamos a aprender com os cães?
19/05/2020
Por Andréa Moura*
Quem tem pet em casa deve aprender, a cada dia, algo novo com eles. Talvez o cotidiano agitado não nos permita perceber certos detalhes que, para mim, ficaram muito evidentes neste período de pandemia por estar mais em casa que o habitual.
Acompanhando, literalmente, os passos do meu pet percebi que meu cachorro dá de dez a zero em mim em dois hábitos: na prática de alongamento e no consumo diário de água. Ele passa o dia todo bebendo água, não pode dar uma volta completa da sala até a cozinha sem que, no meio do caminho, pare diante do potinho dele e dê várias boas goladas, mesmo quando o dia não está tão quente assim.
Já no que diz respeito ao alongamento, a criaturinha poderia, sem qualquer esforço, me dar aulas sobre como ativar meu corpo após algum período de “descanso”, pois, sempre que levanta do cantinho fofo e aconchegante do qual é dono ele repete o seguinte ritual: primeiro alonga a parte dianteira do corpo e, depois, a traseira. Confesso que perdi as contas de quantas vezes ele faz isso em único dia. Eu? Misericórdia! Muitas vezes acordo e já dou um pulo da cama porque, certamente, estou em cima do horário.
Mas, os aprendizados que um ser não humano tão pequeno pode nos ensinar vão além dos bons hábitos físicos, invadem o coração e, por isso mesmo, me fizeram perceber quão nobres eles são. Rancor? Meu cachorro desconhece isso, juro! Ele é inquieto, brigão, marrentinho e, claro, quando enche muito a minha paciência eu brigo, dou carão, falo de maneira mais ríspida. E ele? À primeira vista fica olhando com aquela cara de quem não gostou do ocorrido, dá uma respirada funda e fica de costas. Porém, se neste mesmo momento eu sair de casa, basta uma rápida ida à mercearia da esquina que na volta ele não só está me esperando no portão, como faz a maior festa ao me rever. Ou seja, rancor zero.
Quando eu chegava estressada da rua ou triste por qualquer motivo, ele sempre vinha em minha direção com a mesma euforia de sempre, porém, ao perceber que minha “alegria era triste”, como diria Maria Bethânia, ele simplesmente esperava eu escolher meu lugar na casa para montar o casulo e, com tudo ok, ia (e ainda vai) me fazer companhia, sem latidos, lambeijos ou coisas do tipo, mantém a presença para dar apoio incondicional e dividir aquele momento bad comigo, como se estivesse dizendo: estou aqui contigo e não te deixarei!
Valentia para defender aqueles que lhes caros? Os cães também têm. Assim que alguém estranho se aproxima ele já monta guarda, e quer ver a coisa ficar feia? Basta um estranho a ele, não necessariamente a mim, caminhar em minha direção ou falar em um tom mais alto. Quer outro exemplo? Às vezes entra no meu quarto quando estou dormindo e se põe ao “pé da cama” para tirar aquela madorninha, mas, é aquela coisa, um olho no padre e outro na missa, pois, basta alguém demonstrar a intenção de entrar no espaço para ele se por de pé e começar a latir com o intuito de espantar o invasor e, de quebra, meu sono, mas eu o perdoo porque a intenção foi nobre.
Quando minha avó era viva ele sempre ficava aos pés dela, mesmo ela fazendo pouca farra com ele, dizia que não gostava desses chamegos, mas, o amava de uma forma linda e eram cúmplices, tanto que quando o pet ficou internado por três dias ela quase não dormiu. A parceria deles era realmente linda! Sempre que ela se levantava da cadeira de balançar, onde costumeiramente adorava passar as tardes, para ir à algum canto da casa ele de pronto ficava à frente dela e ia lhe abrindo o caminho. Se o destino fosse o banheiro ele a esperava do lado de fora para fazer o caminho de volta. Quando ela foi internada foi ele quem praticamente não dormiu e permaneceu todos os dias embaixo da já falada cadeira, sem festejo, sem latido, sem alegria, apenas esperando o retorno que não aconteceu...
Fidelidade, companheirismo, amor incondicional, defesa dos seus... estes são alguns dos muitos exemplos que os cães nos dão cotidianamente e que deveríamos olhar com mais cuidado, com mais atenção, com mais apreço, além, claro, de tentarmos aprender um tiquinho que seja. Dizem que o exemplo ensina bem mais que as palavras e, neste caso, é a mais pura verdade, até porque não seríamos, eu acho, capazes de entender latidos!
PS.: Dois filmes sobre cães que assisti, que me fizeram chorar horrores (porque sou dessas, rs) e que só reforçam minha tese são: “As quatro vidas de um cachorro” e “Sempre ao seu lado”.
Andréa Moura*
Jornalista e editora do Pra Você Saber