Médicos alemães protestam pelados contra a falta de equipamento

05/05/2020


Sentindo-se expostos a decisões políticas em meio à pandemia, generalistas criaram a iniciativa "Temores Nus e Crus". Sua mensagem é clara: sem a proteção necessária, também profissionais de saúde são vulneráveis.

Foi uma decisão política – ou melhor, sua retirada – que provocou a ira dos clínicos gerais da Alemanha. Quando, no início de março, o coronavírus se alastrou mais fortemente no país, uma federação médica nacional decidiu que, para um portador de infecção respiratória leve obter licença no trabalho, bastava ele ligar para o médico familiar. Normalmente é necessária uma consulta em pessoa.

Em meados de abril foi suspensa a medida que visava desafogar os consultórios e conter a propagação do Sars-cov-2. "Numa tarde de sexta-feira, fomos informados de que a partir da segunda-feira de manhã voltava a valer a norma antiga", conta o clínico geral Hannes Blankenfeld, de Munique. "Isso nos deixou indignados: quem são essas pessoas com sintomas respiratórios leves? Provavelmente pacientes de covid-19!", e estes colocam em perigo os doentes crônicos que frequentam o consultório.

Porém a ira do médico de Munique e seus colegas tem também a ver com a falta de vestes protetoras durante a pandemia do coronavírus, pois, com o retorno da presença obrigatória do paciente, "gastamos a nossa roupa de proteção para o exame de alguém com sintomas leves, que talvez nem tenha que ir ao médico".

TEMOR NU E CRU

Blankenfeld pertence a um grupo de profissionais bem interconectados em toda a Alemanha, que decidiu tornar pública a indignação. Mas, como "estava claro para nós que, se simplesmente escrevêssemos uma nota de protesto, íamos ter pouca repercussão", eles se inspiraram no médico francês Alain Colombié, que criticou a falta de vestes protetoras fotografando-se nu no consultório.

Nascia a iniciativa "Blanke Bedenken" ("Temores Nus e Crus", em tradução livre). Os participantes posam sem roupas, muitas vezes só munidos de máscara, estetoscópio ou aparelho de medir pressão – para caracterizar a profissão. As partes íntimas estão engenhosamente ocultas, mas, a mensagem é clara: "Se acabar o pouco que nós temos, é assim que estamos." Sem proteção, também médicos são vulneráveis.

Hannes Blankenfeld compreende que a distribuição de equipamento protetor esteja emperrada: afinal, o mundo todo está precisando de máscaras, aventais e desinfetantes. O que ele não admite é que a carência é conhecida há semanas, portanto não tem cabimento expor os profissionais da saúde justamente neste momento.

A "Blanke Bedenken" não está sozinha na condenação: também associações médicas, seguros de saúde e políticos de diversos partidos protestaram. O clamor surtiu efeito: o grêmio médico responsável prorrogou mais duas vezes a possibilidade de consultas telefônicas, atualmente até 18 de maio.

Para os médicos pelados, isso não basta: eles exigem que a medida se prolongue até o fim da crise de saúde para os pacientes com sintomas leves. "Numa situação de pandemia como essa, tomar uma decisão dessas assim, 'pingado', a cada duas semanas, atesta falta de planejamento sensato, de visão", reclama o generalista Blankenfeld.

Por sua vez, os empregadores temem que haja abusos da liberalização das licenças médicas. Para os médicos, contudo, é um escândalo colocá-los em risco só por temer um excesso de folgas trabalhistas. E eles querem que a classe seja mais escutada no contexto da pandemia. Ao que tudo indica, nesse embate de interesses, a luta nua e crua ainda continuará por um bom tempo.

.

.

Esta matéria foi escrita por Uta Steinwehr e Augusto Valente, publicada o dia 3 de maio de 2020 no site da Deutsche Welle, o https://www.dw.com/pt-br/not%C3%ADcias/s-7111

emissora internacional da Alemanha que produz jornalismo independente em 30 idiomas, e republicada no Pra Você Saber. As fotos são de Blanke Badenken.



Comentários

Nenhum Resultado Encontrado!

Deixe um Comentário

Nome
E-mail
Comentário