Palma: de patinho feio à estrela de laboratório e pratos da gastronomia nacional
30/08/2019
Por Andréa Moura
Antônio Conselheiro, líder religioso nascido no interior do Ceará, no município de Quixeramobim, em 1830, e que se tornou líder da resistência em Canudos, no interior da Bahia, local onde morreu em 1897, ficou conhecido nos livros de História não somente pela Guerra de Canudos, mas, também, por ter profetizado que o “sertão viraria mar e o mar viraria sertão”. Para muita gente, anos depois, ele teria falado sobre o futuro do Rio São Francisco, antes caudaloso, agora, quase minguante em muitos pontos.
Porém, o que Conselheiro talvez não tenha conseguido prever foi a mudança de estigma de um velho conhecido dele e de tantos outros sertanejos: a palma. Por muito tempo esta cactácea serviu apenas como principal ração para o gado em época de seca e solo rachado, só que hoje, é alimento respeitado nas mais ilustres rodas de gastrônomos e nutricionistas em virtude do alto teor de nutrientes, sendo vendida nos supermercados dos grandes centros urbanos do Brasil como destaque entre as PANCs - Plantas Alimentícias Não Convencionais.
Além disto, a palma forrageira, mais especificamente os frutos vermelhos que dela brotam, têm enchido os olhos de cientistas em virtude das propriedades que possuem e que são capazes de combater alguns tipos de câncer, dentre eles, o de colo de útero e o de mama. Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA) apontam que neste ano de 2019 deverão ser registrados 59.700 novos casos de CA de mama entre as mulheres em todo o país. Outras 16.370 pessoas do sexo feminino deverão ter CA de colo de útero. Ainda segundo dados do INCA, em 2015 foram registrados 15.403 óbitos em decorrência do primeiro tipo da doença citado, e 5.727 mortes em decorrência do segundo.
Comprovar que a Opuntia Ficus-indica, nome científico da palma forrageira, pode ser um importante aliado para modificar as estatíticas dessa doença no Brasil e no mundo, em decorência dos bioativos que possui, tem sido o foco do trabalho coordenado pelo Dr. Ranyere Lucena de Souza, pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Alimentos do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (LPA/ITP), localizado em Aracaju/Sergipe.
A pesquisa “Purificação de bioativos da palma forrageira (Opuntia fícus-indica) utilizando sistemas aquosos bifásicos para aplicações contra o câncer” está sendo financiada pelo Banco do Nordeste do Brasil, através do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Escritório Técnico de Estudos Econômicos (Fundeci/Etene). O pesquisador explicou que no fruto desta espécie de palma são encontradas biomoléculas importantes, como as betalaínas, polifenóis e carotenoides, que estão associadas a propriedades de promoção da saúde em seres humanos.
Ele conta, ainda, que os estudos “caminham a passos firmes” para a fase de testes referentes à atividade antitumoral, que serão realizados dentro de uma plataforma muito segura. Disse, também, que embora a literatura existente sobre o assunto reconheça a betanina como agente importante no combate aos dois tipos de canceres já citados, nada impede que ela possa desenvolver excelente comportamento frente a outros tipos da doença.
Dr. Ranyere Lucena garante que os estudos referentes ao tema, e que estão sendo coordenados por ele são pioneiros no Brasil, no que dizem respeito à purificação de betanina utilizando sistemas aquosos bifásicos, método que possui, dentre outras vantagens, a alta eficiência de extração, baixo custo e fácil reciclagem.
“Estas são apenas algumas, mas podemos garantir que todas as vantagens apresentadas oferecem ao setor industrial, aliado ao grande potencial de aplicação da betanina, oportunidade única de mercado”, observou o pesquisador, que também informou que estão sendo realizadas análises para o uso da betanina na indústria coméstica.
'DO PASTO PARA O PRATO'
A PALMA TEM GANHADO ESPAÇO NA GASTRONOMIA NACIONAL. FOTO DE EDVAN FERREIRA
No final de 2017 a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e o Centro Internacional de Pesquisa Agrícola em Zonas Secas (Icarda) lançaram um folheto para divulgar conhecimentos sobre manejo eficaz e informações atualizadas sobre os recursos genéticos, adaptabilidade e vulnerabilidade do Nopal, nome mexicano da palma.
A publicação “Ecologia, cultivo e usos do Nopal” teve como objetivo estimular o uso da planta na alimentação das famílias que vivem nas regiões secas em todo o mundo. Porém, o que a FAO orientou é o que já vem sendo feito há algum tempo no interior de Sergipe e de Alagoas por Timóteo Domingos, um jovem chef cuisinier que, desde a infância, descobriu o gosto pelas cactáceas e, também, o sabor que elas davam aos alimentos que preparava.
“Vivia no meio do mato do sertão, e esse sempre foi meu cenário. Ainda menino fazia bolo e cocada para vender na escola. Como as pessoas olhavam torto quando dizia o tinha, passei a não falar, e deu certo, porque vendia tudo”, relembra. Hoje, aos 22 anos de idade, Timóteo Domingos tornou-se o embaixador não só da palma, mas também do xique-xique, do velame, do mandacaru, enfim, das cactáceas Brasil afora e tem conseguido lugar de destaque na culinária nacional.
Ele explica que estas plantas não entram nas receitas como coadjuvantes, mas como artistas principais das composições, que vão do popular ao clássico. “Fazemos de um tudo com elas: pão, pudim, suco detox, refogados, salgados, purê e sorvetes”, garantiu. Mas, e o sabor, seria comparado a quê? Segundo ele, não tem com o que comparar, pois é único e versátil, fazendo um excelente casamento com qualquer outro alimento.
O que começou pequeno, somente nos arredores do município sergipano de Canindé de São Francisco, ganhou formato, nome, robustez e o Brasil e, com isso, respaldo científico, como explica o chef do sertão e fundador do Projeto Gastrotinga. Segundo ele, estudos científicos realizados por uma nutricionsta de São Paulo comprovaram que as cactáceas possuem diversas vitaminas, dentre elas C e B, proteínas e carboidratos.
Também atestaram que, apesar da aparência nada agradável e de grandes espinhos, não há toxicidade neste tipo de PANC. Para dar ainda mais visibilidade à causa, Timóteo Domingos foi em busca, pelo país, de chefes de cozinha que se interessassem tanto pelas cactáceas, quanto em fazê-las perder o estereótipo de ser, apenas, comida para gado.
RODANDO O BRASIL E GANHANDO ADEPTOS
TIMÓTEO DOMINGOS (AO CENTRO DA FOTO) É O IDEALIZADOR DO PROJETO 'GASTROTINGA, COZINHA QUE TRANSFORMA' E QUE VAI SER APRESENTADO EM DEZ CAPITAIS DO PAÍS. FOTO: EDVAN GERREIRA
O resultado desta jornada são os jantares itinerantes “Gastrotinga, cozinha que transforma”, iniciado no início deste ano e que vai ser levado para dez capitais brasileiras. O intuito é mostrar para outros colegas de profissão e para a sociedade em geral a importancia das cactáceas na alimentação do ser humano. “Cada chef anfitrião de uma capital convida outros chefs para fazerem pratos que contenham algum tipo de cacto na receita. A iniciativa tem sido um sucesso e as pessoas, entendido a proposta”, comentou o idealizador. O evento ocorreu em Aracaju/SE e Maceió/AL, e há previsão para ser realizado em Fortaleza, São Paulo e Brasília.
Todo esse movimento em prol das plantas do sertão nordestino já foi tema de diversos programas jornalísticos, palestras e degustações em vários Estados do país. Agora, Timóteo se prepara para ir um pouco mais distante, México e França serão as próximas paradas, provavelmente, no primeiro semestre de 2020. O empenho tem gerado frutos não somente para ele, enquanto chefe, mas para quem, até pouco tempo, não via na plantação de palma algo muito rentável, afinal de contas, o destino final era, apenas, o gado.
Por intermédio do chefe do sertão, os pequenos produtores da região sergipana estão vendendo palma, como alimento de ser humano, para outros municípios do Estado e também para Maceió, São Paulo e Porto Alegre. O montante, às vezes, chega a 250 quilos/mês, segundo Timóteo Domingos, que pretende não só aumentar este volume, como também, montar uma escola de arte e gastronomia social no sertão, ele só não sabe, ainda, será em território sergipano ou alagoano, pois, isso dependerá dos apoios e auxílios que receber.
TÉCNICAS PARA AUMENTAR O CULTIVO EM SE
GOVERNO PROMETE DOAR SEMENTES E SEBRAE DESENVOLVEU PROJETO POR OITO ANOS JUNTO A PRODUTORES SERGIPANOS
Dados da Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro) mostram que no ano de 2017 a empresa prestou assistência a 352 produtores de palma forrageira, que juntos, respondiam por uma área plantada de 1.276 hectares, e que era coberta pelas espécies gigante ou grande, redonda e miúda. Ainda de acordo com a Emdagro, a área cultivada, no Nordeste, é de aproximadamente 550 mil hectares.
No início do mês de abril de 2019 o governo de Sergipe divulgou, por meio da Secretaria de Estado da Agricultura, o investimento de R$ 1 milhão para a compra de sementes de palma forrageira que serão entregues a criadores do Alto Sertão sergipano para reserva e multiplicação estratégica de alimento bovino leiteiro, com o intuito de amenizar as dificuldades alimentares dos rebanhos em períodos de estiagem. As sementes serão, ainda de acordo com o governo, de uma variedade resistente à cochonilha do carmim, praga que ataca os palmais.
Encontrar a melhor forma para fazer com que a produção de palma forrageira em Sergipe crescesse e pudesse ser uma cultura sustentável para os prosutores rurais dos municípios da região do semiárido.
Este foi o objetivo do projeto realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Estado, entre os anos de 2007 e 2015.
A iniciativa visava, ainda, fomentar a agroindustria da palma integrada às atividades da pecuária, e aos programas e políticas sociais de segurança alimentar, geração de emprego e renda, e inclusão social.
A técnica utilizada foi desenvolvida pelo consultor do Sebrae/SE Paulo Suassuna e implementada em 91 propriedades rurais de 35 municípios, os chamados Núcleos de Tecnologia Social. “Nesses locais os produtores receberam instruções sobre a forma correta de promover o plantio e repassaram as informações para os demais integrantes das associações às quais estavam vinculados. O projeto beneficiou mais de mil famílias e resultou no plantio de quase quatro milhões de raquetes de palma”, informou a Assessoria de Comunicação do Sebrae em Sergipe.
O tipo de cultivo desenvolvido pelo Sebrae prioriza todo o processo, desde a escolha das sementes até o cuidado com o solo, trata a palma como vegetal nobre e enfatiza a produção. Durante o projeto, as áreas utilizadas no plantio receberam manejo contra ervas invasoras, pragas e doenças, e as espécies foram plantadas em sistemas de sulcos, o que estimulou a captação de mais umidade no solo e permitiu a colheita anual da produção. O modelo empreendido foi um sucesso, ao ponto de o consultor Paulo Suassuna ter sido convidado para apresentar os resultados em seminários na Argentina, no Marrocos, em Portugal e na Argélia.
De acordo com o Sebrae, enquanto no sistema tradicional o produtor obtém cerca de 200 toneladas de palma por hectare em quatro anos, no modelo de cultivo intensivo ele extrai até 700 toneladas em apenas um ano. “O cultivo da palma se transformou em uma alternativa econômica viável para os produtores, pois, com ela, é possível garantir o alimento dos animais durante o período mais crítico, e o excedente da produção pode ser armazenado ou até mesmo vendido para outros agricultores. Com isso, a produção de leite se mantém estável durante todo o ano, permitindo que o produtor tenha sempre uma fonte de renda”, informou a Ascom do Sebrae em Sergipe.