Tribunais de Justiça têm sido a esperança para a saúde negligenciada

28/10/2021


Por Andréa Moura

Sabe aquele ditado que diz: “quem corre, cansa. Quem espera, alcança”? Ele não se aplica para os brasileiros que acionam o Poder Judiciário para conseguir cirurgias (de urgência ou eletivas), medicamentos e/ou tratamentos de saúde que os manterão vivos ou os ajudarão a ter dias com menos dores físicas, e emocionais.

A judicialização da saúde foi a esperança para 486.423 brasileiros no ano passado, segundo dados apresentados pelo “Painel da Justiça em Números - 2020”, e que integram o levantamento “Judicialização e Sociedade – Ações para acesso à saúde pública de qualidade”, ambos produzidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

O “Painel da Justiça em Números” fez uma comparação dos quantitativos apresentados pelos Tribunais Estaduais do País nos últimos cinco anos, e mostrou que de 2015 a 2020 houve aumento de 33,72% no total de novas ações relativas à saúde. Em números absolutos, esse percentual representa 164.028 casos.

As cinco especialidades mais judicializadas no Brasil, de acordo com as secretarias de Estado da Saúde foram: ortopedia e traumatologia (problema não registrado por Sergipe, segundo o documento); cardiologia; oftalmologia; oncologia clínica; e urologia. Já o ranking das secretarias municipais é composto por: ortopedia e traumatologia; oftalmologia; psiquiatria; cardiologia e neurologia.

Esse movimento crescente de pessoas recorrendo ao Poder Judiciário para fazer valer o Art. 196. da Constituição Federal, onde está assegurado que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, também ocorreu em Sergipe.

Levantamento realizado pela Divisão de Apoio Tecnológico da Diretoria de Planejamento e Desenvolvimento, do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE), no período de janeiro de 2019 a 19 de outubro de 2021, a pedido do PRA VOCÊ SABER, aponta que a quantidade de novos casos judicializados é 7,5 maior. Em 2019 foram registrados 84 novos casos; no ano seguinte, 311; e até o dia 19/10 a soma já chegava a 638 novas judicializações de casos da área da saúde.

Do total de ações ingressadas nos 10 primeiros meses deste ano, 369 foram contra o serviço público e 269 contra o serviço privado de saúde. Dentre as solicitações estão: o direito a consultas (35); a cirurgias eletivas (33); a cirurgias de urgência (124); diálise (01); fornecimento de medicamentos (130); tratamento médico-hospitalar (235); fornecimento de insumos (38); internação compulsória (73) e involuntária (11) por problemas mentais; por questões relacionadas à genética/células tronco (03); e doação de transplante de órgãos, tecidos ou partes (03).

JUDICIÁRIO PRESENTE

De acordo com a Dra. Brígida Declerc Fink, Juíza membro do Comitê Estadual de Saúde, o Poder Judiciário assume grande importância para a resolução desse tipo de conflito, tendo em vista que o direito à saúde é previsto constitucionalmente, e o seu acesso é um tema notório, que aumenta permanentemente.

“Constate-se que a má distribuição dos profissionais de saúde, a falta de profissionais especializados, o déficit no atendimento por especialistas, a ausência de transparência e falha na organização de filas para consultas e internações, além do desabastecimento de medicamentos, são questões que acabam desaguando no Judiciário para solução, já que negligenciadas pelos entes estatais”, observa a magistrada.

Como, geralmente, ações pedindo garantia de acesso à saúde têm como réus Estado e o Município de residência de quem está pleiteando o direito, a falta de pactuação entre esses entes federados, para definição de responsabilidade em cumprimento à solicitação, é uma das grandes dificuldades enfrentadas para que as decisões julgadas procedentes sejam cumpridas, como informa a Dra. Brígida Declerc Fink.

Ela explica, ainda, que para ser julgado procedente, o caso tem que apresentar legitimidade e interesse de agir, bem como os pressupostos processuais que dizem respeito à existência e à validade do processo, “para então ser analisada a pertinência entre o pedido e a causa de pedir”, frisa a Juíza, evidenciando que as questões envolvendo saúde são complexas, exigem conhecimento especializado e tendem a ser marcadas pelo caráter de urgência.

E justamente para subsidiar os magistrados e demais operadores do Direito no tocante às demandas sobre assistência à saúde, foi que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou Recomendações, Resoluções e criou os Núcleos de Apoio Técnico ao Poder Judiciário (NatJus), que propiciam decisões mais técnicas e precisas na área da saúde, considerando as evidências científicas e tecnologia existentes.

Em Sergipe, o NatJus (que é uma instância colegiada e de natureza consultiva) manifesta-se previamente em todas as ações judiciais distribuídas no TJSE, que visam o fornecimento de medicamentos, insumos para a saúde, fórmulas e tratamentos médicos (exames e procedimentos), no âmbito do SUS e do IPESAUDE. É importante ressaltar que o profissional designado para compor o Núcleo não pode ter relação de qualquer natureza (rendimentos pecuniários de qualquer natureza, prêmios, presentes e assemelhados) com a indústria farmacêutica, laboratórios e com o profissional prescritor, que possa vir a configurar conflito de interesses.

 

 

“O que eu busco para ela é qualidade de vida”

 

Jussara e a filha, após atendimento na APAE. Foto: PVS

 

Em 2015, quando Jussara Cardoso dos Santos, 29, descobriu que estava grávida, sabia que o sonho da maternidade mudaria de uma vez por todas a vida dela. Porém, a alegria cedeu lugar à preocupação no sexto mês de gestação, ao ser infectada pelo Zika vírus durante a epidemia da doença no Brasil, e ouviu dos médicos, após uma ultrassonografia morfológica, que a bebê poderia não sobreviver por ter desenvolvido microcefalia.

“Naquele momento deixei de trabalhar e redobrei os cuidados para que minha bebê pudesse nascer. A ideia de perdê-la me aterrorizava, como até hoje me aterroriza. Não imagino a vida sem minha filha”, declara a jovem, com os olhos marejados. Sophya Vitória Silva Santos foi uma das 4.595 crianças que nasceram com microcefalia, em todo o país, entre os anos de 2015 e 2017, em decorrência da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional provocada pelo Zika vírus.

Os números alarmantes da doença, principalmente na região Nordeste, fizeram com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) mudasse, em 29 de novembro de 2015, a classificação do problema para Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. No início de novembro deste ano Sophya Vitória completará seis anos de idade, tempo suficiente para ser considerada uma guerreira.

Por causa da alteração na estrutura cerebral, que tem tamanho menor que a de uma criança considerada normal, pessoas com microcefalia costumam ter comprometimento neuropsicomotor, problemas de visão e audição, a depender da gravidade do quadro.

A pequena Sophya apresenta problemas motores, espasticidade muscular nos membros inferiores e superiores, não fala, tem dificuldade para manter o corpo ereto, e possui desvio da cabeça do fêmur, quadro que evoluiu para uma luxação paralítica coxofemoral do quadril direito, o que tem causado fortes dores, e limitado, ainda mais, os movimentos dela.

Foi por causa desse problema no quadril que Jussara Cardoso procurou a Defensoria Pública no município de Itabaiana, e ingressou na justiça para conseguir a cirurgia de correção, procedimento orçado em R$ 68.141,89, valor completamente fora das capacidades financeiras da família.

“Meu esposo trabalha em cerâmica, ganha um salário-mínimo, e para complementar a renda faz uns bicos. Eu não tenho como trabalhar porque os meus dias são completamente voltados para Sophya, e o benefício que ela recebe, de um salário-mínimo, é todo gasto com coisas para ela: como fralda, consulta e exames de urgência”, cita Jussara Cardoso.

Ela conta que há cerca de três anos começou o calvário em busca da cirurgia para a filha. No início, os caminhos percorridos foram as secretarias de saúde, porém, não logrou êxito. Por isso, decidiu buscar ajuda da Defensoria Pública do Estado de Sergipe. O processo, que tem como réus o Estado e o Município de Itabaiana, foi iniciado em 28 de abril pela 2ª Defensoria Cível e, no mês de maio, o juiz Herval Márcio Silveira Vieira, da 1ª Vara Cível de Itabaiana, deferiu o pedido de antecipação de tutela proposto.

De acordo com o Defensor Público Veríssimo José de Oliveira, que cuida do caso de Sophya, tudo leva a crer que antes do final de novembro de 2021 ela seja submetida ao procedimento cirúrgico, em um hospital da rede particular da capital sergipana, pois R$ 34.070,95 já foram depositados pelo estado de Sergipe. A parte que compete ao município de Itabaiana deve ser sequestrada das contas da prefeitura dentro de poucos dias.

“Juntarei à ação o pedido de bloqueio do valor restante, porque o município se manifestou nos autos dizendo que já ordenou que a secretaria municipal da Saúde fizesse o repasse, o que até agora não aconteceu. O que vai atrasar um pouco a liberação do valor restante é esse feriadão de 2 de novembro”, observa o Defensor.

UMA VIDA DEDICADA AO AMOR

Desde que soube do problema de saúde da filha, Jussara Cardoso passou a dedicar todos os minutos do dia para a criança, mesmo ainda dentro do ventre. Quando Sophya completou três meses de nascida, a jovem passou a buscar todos os tratamentos possíveis para dar à pequena a melhor qualidade de vida possível. Não há protocolo específico, tampouco cura para a Microcefalia, porém, é importante que haja acompanhamento multidisciplinar e estimulação precoce do acometido pela doença, e é justamente isso que Jussara tenta, a todo custo, oferecer à Sophya.

Duas vezes por semana ela vem a Aracaju para que a menina, que é assistida pela Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), tenha sessão de fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional. Outro dia da semana é destinado para sessões de fisioterapia realizadas em Itabaiana e à equoterapia, feita no município de Lagarto. Pelo menos duas vezes na semana a garotinha tem aulas da pré-escola, na escola municipal do povoado itabaianense Terra Dura, onde residem.

E toda essa dedicação tem surtido efeito, pois, Jussara garante que a filha tem apresentado leve melhora. A interação com outras crianças tem despertado novos estímulos na criança, que, através do olhar, consegue se comunicar com a mãe.

“Todo o meu tempo é preenchido por ela. Quando venho para Aracaju tenho que acordar de madrugada, porque o carro da prefeitura passa às 5h, e só chegamos em casa por volta das 14h30. É uma rotina muito cansativa, tanto para mim, quanto para ela. Confesso que até esqueço de me cuidar, porque tudo que faço é para dar uma melhor condição de vida para ela, por isso que a cirurgia é tão importante, fará com que as dores que ela vem sentindo acabem”, conta a jovem mãe.

Segundo ela, fazer atividades simples como dar banho, ajeitar a criança na cadeira de rodas e trocar a fralda está ficando cada vez mais complicado, porque qualquer movimento diferente já provoca dor, e a tendência, sem a cirurgia, é que o quadro só piore. Mas tenho fé de que tudo dará certo, que logo ela não estará mais sofrendo com essas dores e poderá, quem sabe, até caminhar”, diz a jovem.

 

 

A um passo da solução

O ano de 2021 tem sido bastante desafiador para o pintor Rigoberto Porfírio os Santos, 62, morador do Bairro 18 do Forte, em Aracaju. Como se não bastasse toda a apreensão causada pela pandemia de Covid-19, logo no início do ano ele passou a sentir fortes dores lombares que o impossibilitam de trabalhar. As dores são resultantes de dois cálculos renais: um no rim direito, medindo aproximadamente 1,5 cm; e o outro no esquerdo, com cerca de 1,0 cm. Separado e morando sozinho, foram os conselhos de amigos e vizinhos que o fizeram buscar a unidade básica de saúde para uma consulta, já que ele imaginava estar com problema na próstata.

Os exames mostraram que a próstata estava normal, porém, o sangue na urina acendeu o sinal de que a saúde estaria, de alguma maneira, comprometida. “O médico pediu a ultrassom e nela apareceram as pedras. Tive que solicitar nova consulta, dessa vez para um urologista, que só foi liberada pelo SUS seis meses depois, no Hospital Universitário”, relembra.

Rigoberto Porfírio aguarda cirurgia para retirada de dois cálculos renais. Foto: PVS

Após as investigações necessárias, incluindo uma tomografia, o médico especialista informou sobre a necessidade urgente de Rigoberto ser submetido a procedimento cirúrgico para extração dos cálculos, porém, a cirurgia deve ser à laser, para evitar que o rim seja perdido com uma intervenção mais invasiva.

O problema é que o procedimento necessário para restabelecimento da saúde do paciente, a nefrolitotripsia percutânea + ureterorrenolitotripsia flexível e colocação endoscópica de duplo J, não é feito pelo Sistema Único de Saúde. Por isso, o profissional que o atendeu no Hospital Universitário escreveu um laudo e o orientou a buscar ajuda junto à Defensoria Pública Estadual.

“...Ocorre que o SUS de Sergipe não oferece nenhum hospital público conveniado ao SUS, embora os procedimentos tenham sido autorizados pela CONITEC e gerado o código... Caso o paciente não seja operado há o risco de perda definitiva da função dos rins, bem como de infecção urinária complicada”, descreveu o médico urologista, em 17 de junho de 2021.  Esse mesmo médico, inclusive, se colocou à disposição para fazer o procedimento, caso fossem disponibilizados os equipamentos necessários.

Rigoberto Porfirio conta que os primeiros contatos com a Defensoria Pública foram por telefone, pois não estava havendo atendimento presencial devido à pandemia. Nesse primeiro contato ele já ficou sabendo da necessidade de anexar no pedido três orçamentos da cirurgia. Como o médico que atende pelo SUS não pode emitir esse tipo de documento, o pintor teve que ser atendido por um médico particular.

Desempregado; vivendo com o auxílio emergencial pago pelo governo Federal; e tendo que caminhar cerca de um quilômetro até o bairro vizinho para buscar comida na casa da irmã, uma vez ao dia, Rigoberto foi amparado, mais uma vez, pela generosidade dos amigos, que emprestaram o dinheiro para a consulta.

O orçamento mais barato ficou em R$ 31.102,00, com três diárias de enfermaria e não estando incluso leito de UTI. O custo da equipe médica está orçado em aproximadamente R$ 19 mil. De posse de toda a documentação exigida, no dia 1º de setembro o pedido foi protocolado junto à Câmara de Resolução de Litígios da Saúde da Defensoria Pública de Sergipe, tendo como executados o Estado de Sergipe e o Município de Aracaju.

“Tenho andado muito, desde o início do ano, por causa desse problema. Confesso que já estou sem forças. Quando a dor ataca tenho de ir para o Nestor Piva tomar soro e medicamento na veia, porque em casa o médico só me permitiu tomar um medicamento fraquinho, para a dor, porque segundo ele, só ficarei curado com a cirurgia. O problema é que não sei quando ela vai acontecer, ligo para a Defensoria e só me dizem que meu caso está na mão do Juiz”, comenta apreensivo.

PERTO DE UM FINAL FELIZ

O processo de Rigoberto Porfírio não está parado. No último dia 25 de outubro, a Juíza Maria Alice Alves Santos Melo Figueiredo, do 2º Juizado Especial da Fazenda Pública, concedeu a antecipação dos efeitos da tutela requerida, determinando que "os requeridos viabilizem, de forma urgente, o procedimento solicitado no prazo de 15 dias, sob pena de ser sequestrado o valor suficiente para o cumprimento da decisão". O parecer técnico do NatJus foi essencial para a sentença favorável. De acordo com o relatório do Núcleo, o procedimento pleiteado possui evidências científicas favoráveis e causa menores riscos no procedimento terapêutico por vídeo ao paciente.

 

 

"Estou viva por um milagre"

Nacionalmente, cerca de 17% das ações judicializadas na área da saúde, solicitando o fornecimento de medicamento ou insumos, não são concedidas, segundo a publicação “Judicialização e sociedade – ações para acesso à saúde pública de qualidade”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E foi o que aconteceu com a pedagoga aposentada Kátia Margareth Lins da Silva, 51.

Kátia Lins pediu, judicialmente, o fornecimento de um medicamento, mas teve o pedido negado. Foto: Arquivo Pessoal

Em agosto de 2016, aos 46 anos, sem que tivesse apresentado sintomas ou fizesse parte do grupo de pessoas com predisposição para a doença, ela foi diagnosticada com câncer de mama metastático HER 2+, um subtipo bastante agressivo, invasivo e cujos pacientes acometidos necessitam de tratamento mais adequado para mantê-lo sob controle, como afirma a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA).

A primeira consulta com o clínico oncológico do Hospital de Urgências Governador João Alves Filho aconteceu em outubro daquele mesmo ano, e rapidamente ela começou a fazer o tratamento com quimioterapia tradicional. Porém, por ser um tipo de câncer bem invasivo e necessitar de medicamentos que atuem de maneira mais específica, o médico que a acompanha sugeriu, no início de 2017, usar a droga Pertuzumabe, já em uso no mundo desde 2012, mas que ainda não havia sido incorporada à listagem de medicamentos fornecidos pelo SUS. O custo de uma caixa, à época, chegava a R$ 23 mil.

“Por isso ingressamos na justiça. Só que, para a minha surpresa, todos os meus pedidos foram negados, e uma das afirmações era de que o tratamento convencional estava dando certo comigo”, relembra a pedagoga. Segundo ela, o período de 2016 a 2018 foi terrível para pacientes oncológicos de Sergipe, porque repetidamente havia falta de medicamento quimioterápico, e muitos pacientes tiveram o tratamento descontinuado.

“Adoeci mais pela questão psicológica. Imagina começar um tratamento desses e não saber se vai terminar. Foi um período muito difícil, incerto e tumultuado”, afirma. E por causa desses gatilhos emocionais, ela foi encaminhada para a Associação dos Amigos da Oncologia (AMO) para receber acompanhamento multidisciplinar com psicólogo e psiquiatra.

Em dezembro de 2017 o governo Federal publicou no Diário Oficial da União a inserção do Pertuzumabe na lista de medicamentos oncológicos fornecidos pelo SUS, porém, ele só chegou aos pacientes no segundo semestre de 2018. Kátia Margareth começou a fazer uso dele em 2020, com aplicações a cada 21 dias. O câncer de mama que acometeu Kátia Lins é inoperável, e metastizou para o fígado (que já não tem mais as células cancerígenas) e os ossos. Hoje, cinco anos após o diagnóstico da doença, ela diz que o câncer está controlado, mesmo estando presente na vértebra lombar e na calota craniana.

 O uso dos medicamentos para controle da doença será para o resto da vida de Kátia Margareth, bem como a submissão aos exames de tomografia e cintilografia a cada quatro meses, e das idas à consulta com o oncologista a cada 60 dias.

“Estou viva graças a um milagre. A negativa da justiça para o meu caso e a demora em iniciar um tratamento de primeira linha para a doença que tenho poderiam ter custado a minha vida, como vi acontecer com outras pessoas ao longo dessa jornada. Hoje estou bem, continuo me cuidando e sou voluntária em uma causa social ajudando a quem precisa. Espero que mais ninguém precise passar pelo que passei, e que políticas públicas reais sejam implantadas em favor do paciente oncológico. Outubro rosa é bom, é válido, mas ele tem que acontecer o ano todo, efetivamente!”, criticou a pedagoga.

  

“A Defensoria Pública costuma ser o termômetro da deficiência em uma prestação de serviço do Estado”

 

Ao conversarmos com o Dr. Veríssimo José de Oliveira, Defensor Público, para conhecer detalhes do processo da garota Sophya Vitória, ouvimos do operador do Direito que, somente ele, um dos dois Defensores Cíveis que atuam no município de Itabaiana, ingressa uma média de 12 ações por mês relacionadas a questões de saúde. Com 33 anos de atuação, ele também comentou que este é um movimento recente, iniciado há cerca de cinco anos, e que, antes disso, raros eram os casos de judicialização da saúde. “Lembro que há uns dez anos judicializei o de uma senhora por causa de ELA, mas judicialização de casos da saúde era raridade”, frisou. Um dos motivos dessa crescente, segundo ele, seria a falta de políticas públicas efetivas voltadas para o setor. Para conhecermos mais um pouco do trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública do Estado nesta área, conversamos com a Dra. Carolina d’Ávila Melo Brugni, Defensora Pública e diretora do Núcleo da Saúde do órgão. O Núcleo conta com os seguintes integrantes: Dr. Gustavo Dantas Carvalho; Dra. Isabelle Silva Peixoto Barbosa, e Dra.  Aline Teixeira Santos. O contato com o Núcleo pode ser feito através do telefone (79) 3205 3700.

Dra. Carolina Brugni. Foto: Arquivo pessoal

PRA VOCÊ SABER - De que maneira, ter que ingressar com ações na justiça para garantir medicamentos, tratamentos e procedimentos cirúrgicos vai de encontro ao Art. 196. da Constituição Federal?

CAROLINA D’ÁVILA MELO BRUGNI - Em tese, o Estado possui o dever de garantir o acesso à saúde plena dos seus cidadãos, em decorrência do disposto no artigo acima elencado. Assim, todas as vezes que o Estado deixa de oferecer e garantir a efetividade desse direito, faz-se necessária a judicialização em  razão dessa omissão do Estado.

PVS -  Diante dos pedidos de judicialização na área da saúde, a senhora considera que a inserção desta, no rol dos direitos fundamentais constitucionais, foi suficiente para que o direito fosse assegurado?  Por quê?

CDMB -  Foi necessário, mas não suficiente. Necessário porque antes da reforma sanitária o acesso à saúde era exclusivo de quem possuía emprego formal. Mas, não suficiente, porque mesmo após a criação do SUS ainda há defeito da criação dos serviços.

PVS - Na sua opinião, de forma ampla, porém objetiva, o que seria a saúde?

CDMB -  Saúde é o estado completo de bem-estar físico, mental e espiritual do homem, e não tão somente a ausência de afecções e doenças. Trata-se de  um direito fundamental, complementando o direito à vida.

PVS - Como a Defensoria Pública tem atuado nestes casos?

CDMB -  A Defensoria Pública possui uma Câmara de Resolução de Litígio da  Saúde, onde se tenta resolver de forma administrativa a necessidade do assistido que nos busca para garantir os seus direitos, evitando, assim, que sejam ajuizadas ações desnecessárias. Todavia, não logrando êxito, a Defensoria Pública ajuíza a ação necessária para garantir o direito do cidadão.

PVS - Qual o caso defendido pela senhora que mais te tocou enquanto ser humano, e não apenas uma operadora das leis?

CDMB -  Lembro do caso de um senhor, a primeira vez que consegui, efetivamente, o tratamento para a parte. Foram diversas semanas de luta devidamente compensadas quando ele voltou para a Defensoria Pública para agradecer e informar que estava curado. Teve outro caso, a primeira vez que consegui internação em uma UTI, pois, na época, os leitos estavam lotados e uma filha chegou desesperada pedindo para que a mãe conseguisse uma vaga. Depois de um tempo, mãe e filha foram à Defensoria Pública para agradecer.

PVS - Quais os tipos de conflitos mais recorrentes?

CDMB -  A Defensoria Pública costuma ser o termômetro da deficiência em uma prestação de serviço do Estado, ou seja, os tipos de conflitos são sazonais.

PVS - Quantas, das ações impetradas, são contra o serviço público, e quantas contra o serviço privado de saúde?

CDMB -  O Núcleo da Saúde faz apenas a judicialização contra o Estado e Município, referente às demandas do serviço público de saúde. No entanto, a Defensoria possui o Núcleo do Consumidor, que fica responsável  pela judicialização das demandas contra as operadoras de planos de saúde. De qualquer forma, a Defensoria Pública apresenta a solução judicial cabível ao cidadão.

PVS - As demandas são mais coletivas ou individuais? Qual seria a proporção, tomando como base os anos de 2019, 2020 e 2021 (até o momento)?

CDMB -  A grande maioria é de ações individuais. No ano de 2019 foram 299 ações. Já em 2020, em razão da Pandemia, houve uma redução da procura pelos assistidos, tendo sido ajuizadas 177 ações. Este ano, até o presente momento, 153 ações.

PVS - Das demandas judicializadas, a senhora saberia informar qual a proporção de pessoas com hipossuficiência financeira? A maioria é da capital ou do interior? Seria possível fazer um ranking dos municípios sergipanos com maior quantidade de solicitações?

CDMB -  Todos os assistidos da Defensoria Pública não têm condições financeiras para custear o tratamento ou procedimento de que necessita. A maioria deles reside na capital. Os municípios sergipanos  que possuem mais solicitações, na ordem, são: Aracaju; Nossa Senhora do Socorro; São Cristóvão; Lagarto;  Itabaiana; Barra dos Coqueiros; Estância e Simão Dias.

PVS - Quais as dificuldades encontradas para que as decisões judiciais julgadas procedentes sejam cumpridas?

CDMB -  Na maioria dos casos o Estado deixa de cumprir a decisão judicial, fazendo-se necessária a prestação do serviço através da rede privada. Para isso, a Defensoria Pública junta orçamentos do tratamento na rede  privada e é realiza o bloqueio, nas contas do Estado ou do Município, do valor necessário.

PVS  - As decisões sobre os casos são céleres?

CDMB -  No geral são rápidas, e quando há o deferimento da tutela antecipada ingressamos com um cumprimento da referida decisão, com o intuito  de assegurar o direito solicitado pelo assistido.

PVS - Quais as especialidades médicas mais judicializadas?

CDMB -  As demandas são muitos variadas, sendo difícil apontar uma especialidade específica. Porém, as demandas mais recorrentes são cirurgias, exames, medicamentos, órteses e próteses, internamentos e suplementos alimentares.

PVS - As judicializações de medicamentos dizem respeito a itens que constam na lista nacional de cobertura obrigatória pelo SUS?

CDMB - Às vezes é necessária a judicialização de medicamentos que são de cobertura obrigatória pelo SUS, mas, apenas como exceção, normalmente provocada por desabastecimento temporário.

PVS - Quando acaba o trabalho da Defensoria Pública nessa área?

CDMB - O Núcleo da Saúde da Defensoria Pública (Nudese) atua até o efetivo cumprimento da tutela antecipada, mas a Defensoria Pública atua até o término do processo.



Comentários

Nenhum Resultado Encontrado!

Deixe um Comentário

Nome
E-mail
Comentário