Viver bem em uma cidade não é esperar que ela seja um paraíso, mas aprender o que ela tem a ensinar

17/10/2018


O título deste texto não poderia “caber” melhor para a personagem dele: Enio Moraes Júnior, um sagitariano nato que sempre foi em busca de estar bem, tanto físico quanto mentalmente e, por isso, abriu da tão sonhada – por muitos – estabilidade de um emprego público federal, afinal de contas, era professor concursado da Universidade Federal de Sergipe, mas pediu demissão para ir em busca de mais! E esse mesmo mais que o trouxe, primeiro, de Alagoas para Sergipe, depois o levou para São Paulo e, finalmente, para Berlim, na Alemanha, onde reside atualmente. Talvez ele ainda o leve para outros lugares, quem vai saber, não é mesmo?

Agora, há 16 meses nessa nova terra, já não tão desconhecida, tanto que está atuando na área de formação, o jornalismo, e trabalhando na Berlinda.org, uma publicação online dedicada à interação cultural entre Berlim e o mundo de língua portuguesa. Bateu a curiosidade para saber mais sobre como é a vida deste brasileiro, nordestino, em um dos mais influentes centros mundiais de cultura, política, mídia e ciência, então dá uma lida no texto a seguir, escrito por ele, sobre ele, para a www.berlinda.org  ao completar nove meses – a gestação – de nova vida. É hora de viajarmos juntos!

Ah, só mais uma coisa, esqueci de o apresentar: Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Apaixonado por gente e por boas histórias, trabalha com produção de conteúdo online em língua portuguesa, cobre eventos culturais e escreve sobre estrangeiros que povoam as ruas da capital alemã. Agora sim, bem-vindo à Berlim.

VIDA NOVA EM BERLIM. Muitos amigos perguntam como estão as coisas por aqui. “Estão bem. Tenho aprendido muito”. Isso resume as minhas impressões nestes nove meses. É também uma verdade que cabe bem nas palavras de quem tem muito orgulho de ter construído, no Brasil, uma carreira como professor.

?Reconheço que aprender nem sempre é fácil, embora seja algo de que jamais abrirei mão. Talvez seja por isso que eu adoro a escultura Homem Molécula, do americano Jonathan Borofsky, que enfeita as águas do rio Spree. Ela remete à ideia dos felizes encontros e das (às vezes difíceis) simbioses. Estar na Alemanha, enfim, é aprender muita coisa, com tudo de bom e tudo de difícil que isso implica.

Sair do Brasil e vir morar no Velho Continente pode parecer um sonho dourado, mas é preciso ter cuidado e se preparar para alguns contratempos, especialmente quando já se está beeeeem longe de ser um adolescente. Ainda bem que eu fiz a lição de casa e me preparei financeira e emocionalmente, não sei bem se nessa ordem...

Vim para "Deustschlândia" (como eu chamo o país, só para tirar onda) porque casei com um alemão. O Alex é um companheiro para tudo em todas as horas. Contar com alguém ao meu lado tem sido fundamental nessa vida nova em um lugar onde se fala uma língua que eu ainda não falo com fluência e se vive de forma bem adversa ao estilo brasileiro.

Alex e Ênio - foto retirada do InstagramAssim que cheguei para morar, percebi que a Alemanha é um país muito burocrático. A ação de dar entrada em documentos tem que ser feita pessoalmente, com hora e local marcados. Em muitos casos, alguns desses atendimentos funcionam em ritmo de manivela. Para sobreviver a isso, nada como ter alguém do seu lado que quer, tanto quanto você, que tudo dê certo...

Embora eu reclame da burocracia, tenho dado sorte eu outros aspectos. Tenho sido muito bem acolhido pelos amigos do Alex. Sabe aquela ideia do alemão sisudo, irascível, implacável? Bem, ele até existe. Vez ou outra encontro um nas ruas, nas lojas ou nas repartições públicas. Mas, em geral, ele não faz parte do meu convívio. A maioria dos alemães com quem convivo aqui, no meu ciclo de amizades e de contatos, é extremamente atenciosa.

Deutschsprecher B1

A língua e a cultura são um subtítulo à parte. A experiência de aprender alemão nem sempre é fácil. Em Berlim há muitos cursos em que o estudante passa por alguns “módulos” e, cada um, equivale a um ou dois meses de aula. São mais ou menos 12 meses até você concluir um curso de alemão.

Como comecei a estudar quando ainda morava no Brasil consegui pular alguns desses “módulos” e logo cheguei ao nível B1 (que eu chamaria de intermediário báaaaaaaaaaasico). Neste ponto, o Deutschsprecher já tem autonomia para um bate-papo usando um alemão simples.

Foi a partir daqui que, nos restaurantes, por exemplo, os garçons começaram a continuar falando comigo em alemão. Até então, mesmo que eu falasse alemão, o meu Deutsch devia ser tão ruim que eles começavam a responder em inglês, interessados em mudar o idioma da prosa...

A surpresa é que eu li e assisti em muitos depoimentos que no nível B1 o aprendizado do alemão dá uma estacionada. Mas o fato é que essa empacada pode ter lógica, talvez uma lógica para cada pessoa. No meu caso, cheguei a um ponto em que Sprecher e Kultur querem sintonia. E essa confusão, antes de ser catastrófica, tem sido fonte de satisfação. E com um toque especial: em Berlim, além de se falar muito inglês e alemão (claro!), há também muitas oportunidades de falar espanhol e português.

Estes dois últimos são especialmente úteis com latino e ibero-americanos que tenho conhecido nos cursos ou através de colegas. Já o inglês é segundo idioma mais encontrado nas ruas, falado pelos jovens europeus – os hipsters que povoam a cidade – como acontece na maior parte das capitais do continente. Como Berlim é uma das cidades mais cosmopolitas que já conheci na vida, todas essas línguas e nacionalidades têm se misturado na minha cabeça.

Foto da InternetNeukölln e Johannisthal

Pense em um lugar onde vivem muitos turcos, árabes e alguns sírios. Este é Neukölln, o primeiro bairro onde morei em Berlim. A experiência de ir à esquina comer um kebab pode se tornar um fenômeno curioso quando o cara que está à sua frente, na fila, é um turista e faz o pedido em inglês. Em seguida, você faz o pedido no seu alemão B1 e recebe a iguaria de um turco que muitas vezes tem um alemão parecido com o seu.

Sete meses depois de chegar a Berlim mudei de apartamento e de bairro. Agora moro em Johannisthal. Pessoas mais velhas povoam as ruas desta parte da capital alemã, que pertenceu à antiga DDR. Aqui tenho explorado uma Berlim que eu nunca havia conhecido antes, marcada pela cortesia entre vizinhos que saem às janelas e se cumprimentam, e pelo padeiro que me olha quando eu passo em frente à padaria e espera que eu o cumprimente. “Guten Morgen!” Confesso que tenho achado curioso encontrar esse clima de cidade do interior por aqui.

Emprego e carreira são coisas que começam a acontecer. Os cursos de alemão, embora muito produtivos, são caros. Por isso, resolvi deixar um pouco de lado o ritmo das aulas e me arriscar no mundo do trabalho. Um fator que pesou para essa decisão foi ouvir de alguns amigos daqui que só se aprende alemão vivendo o idioma. Há um ou dois meses comecei a trabalhar em uma startup de produção de conteúdo como editor de textos em português.

Saudade da família, dos amigos, de dar aulas na faculdade, dos colegas, dos alunos? Saudades do Brasil e de São Paulo? Claro. Sempre. Muita. Afinal, eu continuo sendo brasileiro, amando São Paulo e todos que fazem parte da minha vida.

“Du bist verrückt mein Kind, du musst nach Berlin”. A frase é do compositor Franz von Suppé, que viveu nos anos 1800: “Você é louco, meu filho. Você tem que ir para Berlim”. Viver bem nesta cidade não é esperar que ela seja um Paraíso (ele não existe!), mas é se arriscar e aprender o que ela tem a ensinar. E esse aprendizado tem sido um desafio maravilhoso. (Texto reprodução do publicado no site berlinda.org - A foto principal foi retirada da Internet)



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