Captação de córneas no Nestor Piva é alento para quem pode perder a visão

17/02/2020


Desde janeiro deste ano, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Nestor Piva, que atende a usuários da zona Norte da capital sergipana e até de municípios e estados vizinhos, começou a realizar a captação de córneas, tornando-se o primeiro hospital municipal de Sergipe a realizar este tipo de procedimento e, assim, sendo mais uma ponte para o transplante desse tecido ocular.

No entanto, ainda que o status da unidade tenha evoluído desde a terceirização promovida pela Prefeitura de Aracaju, por intermédio da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), a grande beneficiada é a população, sobretudo, parte dela que está em uma fila com mais de 200 pessoas no aguardo pelo transplante de córnea.

Pessoas como Ana Maria Santos dos Anjos, de 34 anos. Diagnosticada com ceratocome, enfermidade que afeta a estrutura da córnea, a dona de casa demorou muito a descobrir o problema que tem fundo genético. Quando recebeu o parecer médico, não houve outra alternativa viável a não ser o transplante de córnea. Há cerca de um mês, ela entrou para a fila. Enquanto isso, a rotina só se complica.

“Descobri em 2015, quando a minha visão já estava muito ruim. Tentei fazer alguns tratamentos, mas, não tinha condições de pagar por eles. Com o tempo, a situação foi piorando e, hoje, quase não enxergo pelo olho esquerdo e o direito também já está bem difícil. Como estou desempregada há seis meses, não dá nem para pensar em outro tipo de tratamento”, afirma Ana Maria.

Casada e mãe de uma menina de 9 anos, ela relata como a rotina tem exigido dela. “Não consigo nem ensinar o dever de casa à minha filha. Coisas simples do dia a dia são impossíveis para mim. Pegar um ônibus, por exemplo, é uma missão pesada porque não consigo enxergar qual é a linha, comprar algumas coisas é bem difícil porque não consigo ler, a não ser que seja de muito, muito perto. Então, atualmente, realizo muitas das minhas tarefas guiada pelo tato”, conta.

Moradora do município de São Domingos, distante 76 quilômetros de Aracaju, Ana Maria acredita que ter um hospital municipal que facilite o transplante de córnea é algo que dá esperança. “É mais um meio que facilita, é mais um suporte gratuito para as pessoas que precisam”, ressalta.

Embora tenha recebido a informação com certo alívio, ela compreende que o transplante envolve a perda de alguém. “A morte de um parente é algo muito doloroso, mas, acredito que, mesmo depois de partir, a pessoa pode fazer o bem se a família dela optar por doar as córneas para alguém e, assim, dar uma nova vida a esse alguém. Para quem está numa fila de espera, essa é a única esperança”, completa.

Sonho realizado
Apesar da dura rotina, Ana Maria acredita que o transplante vai acontecer. Esta realização ela viu de perto e aconteceu com o primo dela.

Washington Santos Rodrigues, de 22 anos, conseguiu fazer o transplante há aproximadamente oito meses. Aos 13 anos de idade, ele foi diagnóstico com a mesma doença ocular que sua prima Ana Maria e também das suas três irmãs. Entretanto, o seu caso era o mais grave da família.

Através do Sistema Único de Saúde (SUS), ele conseguiu realizar a implantação do anel de ferrara (órtese que minimiza a gravidade do problema visual) no olho direito, porém, pelo avanço da doença, o olho esquerdo não pode passar pelo mesmo procedimento, o que levou Washington à fila de transplante.

“O que mais gosto de fazer na vida é dirigir e isso eu não podia fazer mais. Quando recebi a notícia de que conseguiram um doador, senti como se pudesse voltar a viver. Foram quase dez anos sem enxergar direito e a tendência era piorar cada vez mais, então, foi o melhor presente que eu poderia ter recebido”, diz.

Atualmente, Washington trabalha como balconista no município de São Domingos e leva uma vida normal, ainda se recuperando da cirurgia de transplante que, apesar de ser um procedimento rápido, possui uma recuperação mais cautelosa, mas, de muito sucesso na grande maioria dos casos.

“O meu desejo é poder saber qual foi a família que fez isso por mim. Tenho muito respeito e sentimento pela perda dela, mas, gostaria muito de agradecer ao bem que me fizeram no momento de tanta dor. Esse tipo de atitude do bem precisa ser agradecida a todo o tempo e faço isso sempre que me dou conta de como minha vida melhorou”, salienta o jovem.

Paradoxo da fila de espera
De acordo com o coordenador da Central Estadual de Transplantes, Benito Fernandez, Sergipe, mesmo sendo o menor estado da Federação, tem se destacado no quesito transplante de córnea. Em 2019, foi o 5º estado, proporcional à população, na realização do procedimento. Entretanto, assim como para a doação de outros órgãos, o processo para conseguir doadores de córnea também é muito delicado.


“É preciso toda uma rede de apoio e de humanização para sensibilizar a família que acabou de perder um parente para que realize a doação. Essa família precisa se sentir parte do processo, precisa ser acolhida e entender como o transplante acontece e que, na verdade, não vai ser uma mutilação. Esteticamente falando, o doador não terá mudança alguma porque se retira o olho para o transplante, mas, no lugar, coloca-se uma prótese de vidro. Hoje, em Sergipe, se pegarmos o número de óbitos e compararmos com a fila de espera para transplante, na realidade, nem deveria haver uma lista de espera, mas, ainda há uma relutância das famílias ao permitirem a doação”, pondera Benito. “Por isso é tão importante termos mais uma unidade fazendo o trabalho de humanização e captação de córneas”, pontua. (Fonte: AAN. Fotos: André Moreira)



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