Pesquisa detecta novas possibilidades econômicas para leite de gado produzido em Sergipe

20/02/2020


Dados do Sistema Integrado de Comércio Exterior do Brasil (SISCOMEX) mostram que, no período de 2011 a 2016 o país comprou de outras nações, dentre elas Alemanha, China, Estados Unidos e Holanda, 113 toneladas de lactose na forma pura ou diversa, um investimento de US$ 207.407.221,00 quantia que, transformada em Reais e em uma cotação de R$ 4,33 (valor da moeda no início da segunda semana de fevereiro) resultaria em R$ 898.073.267,00 com cada tonelada sendo adquirida por R$ 7.947.551,04.

A lactose é um hidrato de carbono, mais especificamente um dissacarídeo, composto por glicose e galactose, responsável por dar o gosto adocicado do leite. Comercialmente, ele é usado por alguns setores da indústria alimentícia e cosmética.

Este montante de recursos, de acordo com pesquisadores do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP), poderia ficar dentro do Brasil, caso houvesse mais indústrias especializadas em retirar a lactose do leite para pô-la em comercialização. Até o momento existe apenas uma empresa no país, mais precisamente no Rio Grande do Sul, beneficiando este tipo de substância.

Visando oferecer aos produtores sergipanos de leite maior aproveitamento do que geram e, consequentemente, valor agregado ao produto ordenhado, um grupo de pesquisadores do ITP, coordenado pela Dra. Cleide Mara Faria Soares, do Laboratório de Pesquisa em Alimentos, está realizando o projeto “Desenvolvimento de queijos com baixo teor de lactose e outros produtos reaproveitando a biomolécula”, propondo novo arranjo físico no processo de empresa e microempresa.

A intenção é que, a partir do leite in natura, que possuiu 4,7% de lactose, seja dado origem a outro produto com baixo teor desse dissacarídeo; queijo e sorvete sem lactose; produção de batom; de whey protein e, inclusive, da própria lactose para comercialização, como já dito anteriormente. “Atualmente, os produtores sergipanos perdem muito dinheiro porque o leite oferta várias possibilidades de ganho econômico que não estão sendo agregadas no Estado, à medida que utilizam apenas duas vertentes, a venda dele na forma natural e como queijo coalho ou requeijão”, observou Dra. Cleide Soares.

PRODUÇÃO SERGIPANA

Foto: ASN

Dados da Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro) mostram que a quantidade média de vacas ordenhadas, por ano, entre 2012 e 2017 foi de 218.891 cabeças, com uma produção/ano para o período já citado de 341.728.000 litros (trezentos e quarenta e um milhões e setecentos e vinte e oito mil litros), gerando um valor de produção mediano de R$ 360.997.000. A evolução medial da produtividade do Estado no período referenciado pela Emdagro foi de 7,5 litros animal/dia.

Ainda segundo a Empresa, o preço médio do litro de leite praticado no Estado no ano de 2017 (dado mais recente) foi de R$ 1,29, quantia que representa menos que 20% do que poderia ser ganho, caso houvesse, em Sergipe, uma fábrica para beneficiamento da lactose. Com uma produção de pouco mais de 341 milhões litros/ano, Sergipe conseguiria “fabricar” cerca de 17 toneladas de lactose em doze meses, já que cada mil mililitros de leite geram 50 miligramas do dissacarídeo que virou a bola da vez no quesito alimentação, por causar intolerância em muita gente. Usando o mesmo valor de comercialização exposto pela SISCOMEX, essas 17 toneladas renderiam a Sergipe cerca de R$ 135 milhões.

“Veja o quanto está deixando de circular na economia local, e olha que estou tomando como base apenas um aspecto, que é o de isolar, retirar e vender a lactose. Nosso projeto mostra que é possível ao produtor usufruir de tudo, inclusive, do soro que sobra após o fabrico do queijo coalho, líquido que não é aproveitado. Claro que, para tanto, é preciso fazer adequação na planta da fábrica e montar o equipamento específico, porém, é algo perfeitamente viável e, acima de tudo, rentável”, garantiu a Dra. Cleide Soares.

Os estudos realizados têm como base uma empresa de laticínios instalada no município sergipano de Nossa Senhora da Glória, distante 114 quilômetros de Aracaju e com população estimada, em 2019, de 36.924 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Do total de habitantes, apenas 4.981 pessoas possuem trabalho formal, o que representa 13,6% com uma remuneração média de 1,8 salário mínimo, pouco mais de R$ 1.800,00. Ainda de acordo com o IBGE, 48,6% dos glorenses têm rendimento nominal per capita de até ½ salário mínimo, portanto, R$ 522,50. Um melhor aproveitamento econômico do leite produzido na região ajudaria a mudar a realidade social de muitos moradores.

FINANCIAMENTO E PARCERIAS

A pesquisa está sendo financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (Fapitec/SE), por meio do Edital 04/2018 do Fundo Estadual para o Desenvolvimento Tecnológico e Científico (Funtec), que teve como objetivo selecionar propostas voltadas para as atividades de pesquisa científica, tecnológica e inovação nas áreas estratégias do Alto Sertão e Baixo São Francisco Sergipano.

Além da Dra. Cleide Soares, também participam do projeto os Drs. Álvaro Silva Lima e Ranyere Lucena, ambos do Laboratório de Pesquisa em Alimentos do ITP; Dra. Patrícia Severino, do Laboratório de Nanotecnologia e Nanomedicina do ITP; Dra. Odelsia Leonor Sanchez de Alsina, ex-pesquisadora do ITP; Dr. Gilderlan Rodrigues Oliveira, do Instituto Federal de Sergipe (IFS); Dr. João Batista Barbosa, do IFS - Campus Glória; Dra. Acenine Balieiro, da UFS - Campus Glória; Matheus Mendonça Pereira, pós-doutorando da Universidade de Aveiro, em Portugal; e Jônatas Levi Campos Barbosa dos Santos, estudante do curso de Engenharia Química da Unit, que faz parte da Iniciação Científica, atividade desenvolvida no ITP.

“É uma pesquisa multidisciplinar que envolve doutores em Laticínio, que estão em instituições parceiras, e nós, do ITP e da Unit, que somos da área de Processos”, explicou a Dra. Cleide Soares. Uma das fases do projeto foi realizar, nos produtos gerados em laboratório, portanto, leite e queijo com baixos teores de lactose, e sorvete sem esta substância (que, neste caso, é responsável pela “liga” que o produto apresenta), a análise microbiológica e a separação centesimal (saber quanto há de caloria e proteínas, por exemplo). Segundo a coordenadora das atividades, nos primeiros testes conseguiu-se remover mais de 80% da lactose, percentual que será ainda maior.

OS PRODUTOS

Parte da equipe do projeto, da esquerda para a direita: Dr. Álvaro Lima, Dra. Cleide Soares e o aluno de IC, Jônatas Levi Santos

Foram elaborados, ainda, dois outros produtos que não estavam no escopo original do projeto e que agregará mais valor ao produto: uma bebida láctea e um batom, cuja pigmentação foi feita com substâncias extraídas da palma forrageira. Também está em fase de testes o fabrico de um terceiro produto não listado inicialmente, o whey protein. Um dos produtos resultantes do estudo, o queijo coalho com baixíssimo teor de lactose, foi apresentado no Congresso Minas Láctea 2019.

“Com este trabalho estamos mostrando, ainda, que temos profissionais qualificados para realizar pesquisa de excelente nível e com potencial para resolver problemas sociais. No caso do leite, por exemplo, além de favorecer o aumento do poder econômico do produtor local, ajudaremos a reduzir, e muito, os resíduos deste tipo de produção, uma vez que praticamente todo o produto será aproveitado das mais variadas formas e, ainda, será possível oferecer melhor qualidade de vida para quem é intolerante à lactose”, enfatizou a Dra. Cleide Soares.

Em julho de 2016, o Instituto Datafolha lançou a pesquisa “Conhecimento sobre a intolerância à lactose na população brasileira” e registrou que 35% dos habitantes do país, com idade acima de 16 anos, relataram sentir algum mal-estar após ingerirem goles de leite ou degustarem alguns derivados deste alimento. Esse percentual representa 53 milhões de brasileiros e, deste quantitativo, 59% são mulheres. A pesquisa estimou, ainda, que a intolerância possa fazer parte do cotidiano de 70% dos brasileiros, mas, aproximadamente 60% destas pessoas nem devem saber disso. (Matéria originalmente publicada no site do Instituto de Tecnologia e Pesquisa)



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