ARTIGO: Ex pode administrar bens herdados pelos filhos menores

15/08/2025


Por Eduardo Soares Ribeiro*

Pouca gente sabe, mas se algo lhe acontecer, quem pode acabar administrando o patrimônio que você deixar aos seus filhos menores é o seu ex. Isso mesmo: aquele(a) com quem você não divide mais a vida, com quem talvez não mantenha qualquer laço afetivo — ou, em muitos casos, que sequer possui preparo técnico ou moral para essa função.

Essa possibilidade, prevista no artigo 1.689 do Código Civil, surge da presunção legal de que o genitor sobrevivente — ainda que divorciado, distante ou em conflito com o falecido — assumirá automaticamente a administração dos bens dos filhos menores. É uma norma que privilegia o vínculo parental formal, mas que, na prática, pode colocar em risco tanto a vontade do autor da herança quanto a segurança do patrimônio familiar.

Quando o planejamento não vê o risco afetivo.

Na construção de planejamentos sucessórios no escritório, noto que grande parte dos clientes se surpreende ao descobrir essa hipótese. A maioria acredita que, ao deixar bens aos filhos, terá automaticamente protegido seu legado. No entanto, quando há filhos menores, a pergunta correta não é apenas quem herda, mas quem vai cuidar do que deixei aos meus filhos incapazes.

E é justamente aí que mora o perigo: por trás de relações formalmente dissolvidas, frequentemente permanecem mágoas, ressentimentos ou, pior, históricos de abandono e desinteresse. Nesses contextos, confiar a administração de um patrimônio — muitas vezes construído com sacrifício — a quem não foi sequer um parceiro na parentalidade ativa, pode ser um risco silencioso e devastador.

A solução: curatela especial dos bens herdados

O ordenamento jurídico brasileiro, felizmente, oferece uma solução preventiva e eficaz: a curatela especial. Prevista no artigo 1.774 do Código Civil, essa figura jurídica permite que o próprio autor da herança designe, por testamento ou instrumento público, uma pessoa de sua confiança para administrar exclusivamente os bens deixados a seus filhos menores.

Trata-se de uma medida de natureza protetiva, que visa resguardar o interesse do herdeiro incapaz diante da possibilidade de má gestão, conflito de interesses ou simples despreparo do genitor sobrevivente. A curatela especial pode, inclusive, ser requerida judicialmente por familiares ou representantes legais, caso se evidencie risco à integridade do patrimônio.

“Em tempos de relações familiares cada vez mais complexas e plurais, o bom planejamento sucessório exige mais do que técnica: exige sensibilidade”.

A importância do olhar técnico e humano do advogado

A curatela especial é uma daquelas soluções jurídicas que só emergem quando há escuta ativa e sensibilidade profissional. É preciso enxergar além dos documentos, dos números e da ordem de vocação hereditária. Cabe ao advogado — sobretudo aquele que se dedica ao Direito das Sucessões — levantar essa possibilidade com delicadeza e firmeza técnica, orientando o cliente a tomar decisões que não apenas preservem o patrimônio, mas honrem sua memória e sua intenção.

Nomear um curador especial é mais do que um ato jurídico: é um gesto de cuidado, de zelo e de coerência com a vida que se levou.

Considerações finais

Em um país onde o planejamento sucessório ainda é visto com certo tabu, é urgente abrir espaço para reflexões como esta. Se o Direito existe para proteger o que é justo, o testamento e a curatela especial devem ser compreendidos não como desconfiança, mas como prevenção lúcida. O silêncio sobre o tema tem custado caro a muitas famílias. Ao trazer essa questão à tona, este artigo se propõe a despertar não apenas um alerta técnico, mas também uma consciência: planejar bem é, acima de tudo, proteger os seus — mesmo quando você não estiver mais aqui.

 

*Eduardo Soares Ribeiro é advogado especialista

em Direito das Sucessões, e membro da

Comissão Nacional de Direito das Sucessões da OAB.



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