Mulheres ainda são minoria no meio científico
11/02/2020
Discutir o papel da mulher na ciência para melhorar o quadro regulatório e político da economia verde e inclusiva; promover investimentos verdes inovadores em mulheres e meninas na ciência por meio de parcerias público-privadas; e promover as mulheres em nível nacional no desenvolvimento da capacidade científica para uma ação holística inclusiva e verde.
Estes são os três focos principais das áreas temáticas da 5ª Conferência Mundial pelo Dia Internacional de Mulheres e Meninas nas Ciências (data comemorada anualmente no dia 11 de fevereiro), realizada nos dias 11e 12 de fevereiro deste ano na sede das Nações Unidas.
Na edição anterior foi criado o documento “Investimento em mulheres e meninas na ciência para o crescimento verde inclusivo”, endossado por 89 Estados Membros e, dentre os pontos nele abordados a ênfase é para o parágrafo 24 que diz, dentre outras coisas, que é necessário incentivar “todos os governos a investirem em mulheres e meninas na ciência para o crescimento verde inclusivo nas agendas nacionais, regionais e internacionais de desenvolvimento, inclusive, em novas infraestruturas de pesquisa e centros de excelência, para promover a pesquisa e o desenvolvimento a fim de incentivar a emergência e o desenvolvimento de iniciativas do setor privado em pesquisa e desenvolvimento”.
A data foi aprovada em dezembro de 2015 pela Assembleia das Nações Unidas por meio da Resolução A/RES/70/212, com o objetivo de promover o acesso integral e igualitário da participação delas nesta comunidade tão importante e responsável pelo desenvolvimento de um país.
Liderada pela Unesco e pela Organização das Nações Unidas – Mulheres (ONU Mulheres) em colaboração com instituições e parceiros da sociedade civil que promovem o acesso e a participação de mulheres e meninas na ciência, a data visa lembrar que, apesar de desempenharem papel fundamental nas comunidades científicas e tecnológicas, a representatividade nestes grupos ainda é pequena.
O Instituto de Estatísticas da Unesco mostra que apenas 28% dos pesquisadores do mundo são mulheres, e que estas continuam sub-representadas nos campos da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, tanto na graduação quanto nas pesquisas. E esta realidade se aplica também ao Brasil, embora um estudo publicado em 2017 pela Elsevier, maior editora científica do mundo, tenha mostrado que nos últimos 20 anos a proporção de mulheres que publicaram artigos científicos no Brasil cresceu 11%.
FALTA DE INCENTIVO AUMENTA A DIFERENÇA
Outro trabalho, desta vez de um grupo de pesquisadores, dentre eles Jaroslava Varella Valentova, doutora em Antropologia pela Universidade Carolina de Praga, na República Tcheca, e docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo apontou que, do total de 4.859 bolsas concedidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) entre os anos de 2013 e 2014, para as áreas do conhecimento dentro das Ciências Exatas, apenas 967, portanto, 20,08% do total, foram para pesquisadoras. A pesquisa gerou matéria, publicada no portal de notícias G1, em 11 de março de 2018.
O texto do G1 enfatizou que o estudo analisou a distribuição das Bolsas de Produtividade de Pesquisa do CNPq, cujo resultado fora publicado na revista científica "PeerJ", mostrado, ainda, que no campo das ciências exatas todas as 22 áreas de pesquisa possuíam menos mulheres bolsistas do que homens. Em Física foram 101 bolsas de Produtividade para mulheres, contra 806 para homens; na Engenharia Elétrica apenas 13 mulheres receberam bolsas no período, já para os homens foram concedidas 269.
De uma maneira geral, nas ciências exatas foram registradas, para o período analisado, 3.883 pessoas do sexo masculino contra 976 do sexo feminino, diferença que pode, de acordo com o exposto pela Dra. Valentova na matéria do Portal de Notícias, resultado de fatores iniciados, ainda, na educação básica, como a falta de incentivo para que as meninas sigam carreira nesses tipos de matéria, e também, fruto do estereótipo difícil de combater, o de que meninas não são boas em matérias com cálculos, por exemplo.
Olhando os dados gerais do CNPq relativos ao ano de 2015 (dado mais recente encontrado no site da instituição) e que dizem respeito à concessão de bolsas de Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado, Pós-Doutorado, Produtividade em Pesquisa, Estímulo à Inovação para Competitividade e outras não especificadas, a balança também pende para o lado masculino: são 51.330 bolsas para homens contra as 50.438 para mulheres.
No CNPq existem mais mulheres na Iniciação Científica (16.338) que homens (11.380); o mesmo acontece com as bolsas de Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado (4.807M e 4.353H; 4.143M e 4.020H; 959M e 749H, respectivamente). Porém, isto se inverte quando se trata de bolsas de Produtividade em Pesquisa, tendo sido concedidas 9.092 para pesquisadores e 5.013 para pesquisadoras; e, também, nas de Estímulo à Inovação, tendo sido 8.681 para pessoas do sexo masculino e 8.438 para o sexo feminino.
VENCENDO BARREIRAS
Algumas das mulheres que seguem firmes no propósito e se graduam na área das Ciências Exatas ainda têm, para depois de formadas e atuando no mercado de trabalho, a missão de aparar arestas construídas sob os alicerces do preconceito, como aconteceu com a Dra. Manuela Leite. Ela conta que certa vez, durante o doutorado, em um curso da Engenharia sobre automação industrial e cuja turma era, até então, totalitariamente masculina e composta por alunos homens da Engenharia Mecatrônica, foi ‘confundida’ com a moça que deveria servir cafezinho.
“Inicialmente foi algo desconfortável. Entretanto, quando abordei com o instrutor alguns pontos do tema demonstrando conhecimento na área, o desconforto ficou por conta dos demais participantes que perceberam a gafe que cometeram por puro preconceito, inconsciente, ainda instalado em nossa cultura, de que existem áreas que não são para mulheres” relembrou a pesquisadora, que ressalta a importância de haver empenho continuado para a desconstrução de uma cultura ainda marcada por preconceitos de gêneros.
Manuela Leite é doutora em Engenharia Química pela Universidade de Campinas e com atuação nas linhas de pesquisa de Planejamento Estatístico de Experimentos, Automação e Controle de processos, Energia e Meio Ambiente, Inteligência Artificial aplicada na Modelagem e Otimização de Processos por Redes Neurais Artificiais, Lógica Fuzzy e Algoritmos genéticos, dentre outros. Ela conta que a vida dentro da ‘ciência’ teve início cedo e foi despertada durante a participação dela no programa de Iniciação Científica (IC), ainda no primeiro ano da graduação.
“Ser cientista é desvendar respostas, descobrir, transformar alguma coisa para o bem da sociedade. Quando fui fazer pesquisa na área de Controle de Processos fui pensando em usar a automação para garantir maior produtividade nos processos industriais e, a partir da otimização destes, possibilitar a minimização do desperdício energético e dos custos, ou seja, tentar tornar a empresa mais competitiva, porém, pensando também no lado ambiental”, declarou. (A foto principal também é de banco de imagens)