São Paulo, a capital do Nordeste? Cê jura?

26/01/2021


Por Andréa Moura

Mas, minha gente, por que nordestino não tem um dia sequer de paz neste País, hein? Esse desassossego teria a ver com o que escreveu Euclides da Cunha (com uma pequena adaptação da minha parte, óbvio), de que “o nordestino é, antes de tudo, um forte” e, sendo assim, ‘lasquemos’ o pau nessa gente tão boa, sorridente, batalhadora, humana e com uma qualidade/capacidade/capacitação técnica de deixar qualquer um boquiaberto (além de outras características positivas que nem vou elencar para não tornar o texto ainda maior).

Seriam então o bairrismo, a inveja e o querer nos menosprezar alguns dos fatores que fazem com que muitos não aceitem que o Nordeste, apesar das adversidades que precisa enfrentar (a começar pelas naturais, como a seca causticante), seja capaz de produzir tanto ao ponto de ocupar a terceira posição do País quando o assunto é colaboração com o PIB? Qual o motivo de querer reforçar estereótipos e cicatrizar na cabeça de milhões de brasileiros que o Nordeste só serve para passar férias, e nada mais? Qual a necessidade de nos “colonizar” em pleno Século XXI?

Querer nos diminuir e retirar o nosso valor é um ato brutal de intolerância, é um preconceito cruel exercido a cada minuto e que eu tenho certeza de que só acontece porque somos muito fodas (perdoem o uso desta expressão), pois, como dizia minha avó, ninguém atira pedra em árvore que não dá fruto. E, por falar em atirar pedra, a edição da Veja SP desta segunda-feira, 25 de janeiro, se superou ao publicar uma matéria que, para enaltecer o município de São Paulo pelo aniversário de 467 anos, fez uma capa escrota afirmando que São Paulo é a capital do Nordeste. São Paulo é a capital do estado de São Paulo, e a geografia explica isso muito bem, portanto, a respeite também (sim, a afirmação é irônica).

São Paulo é um município maravilhoso, um mundo, a megalópole que deixa qualquer um encantado e que possui cerca de 10% da população residente oriunda do Nordeste, 1.704.683 pessoas, para ser mais exata, segundo dados do IBGE, 10% que sim, ajudaram e ainda ajudam muito o município a ser a potência que é, e disso, ninguém duvida!

Não li a matéria e, sinceramente, nem procurei saber o que ela aborda, não me julguem por isto, pois, por uma capa cretina, ridícula (lógico que os adjetivos que gritaram e ainda gritam na minha mente são bem menos “puros” que estes dois), preferi fazer a linha Regina Duarte, confesso que #tivemedo do que poderia encontrar no texto e não quero ter azia nesta noite. Para mim, a capa já disse muito. E, pelo amor de Deus, antes que criem coisas onde não existe, não estou criticando ou falando mal das pessoas que estão na capa da revista não, jamais! Elas devem ser profissionais super-gabaritados e exemplos nas respectivas áreas, afinal de contas, não esqueçam, são nordestinos.

O meu descontentamento é com o posicionamento da revista, com a falta de zelo, com a empáfia da chamada de capa. São por posicionamentos deste tipo que a Veja ainda deve continuar ocupando espaço nos cursos de jornalismo, principalmente quando o assunto é: aprenda o que não fazer no jornalismo! Bem, pelo menos tem um lado positivo nisso, não é mesmo?

Pelo amor de Deus, RESPEITEM O NORDESTE, e aprendam: não se exalta algo/alguém humilhando ou tentando humilhar outro/outrem. E, para finalizar, transcrevo a letra do repente escrito por Bráulio Tavares e Ivanildo Vila Nova, e que foi gravado em 1984 por Elba Ramalho, em plena ditadura militar. A exibição da música foi proibida pela censura da época, atendendo às ordens do então governo de João Batista de Oliveira Figueiredo (15/03/1979 a 15/03/1985).

Querendo ou não, 37 anos após ter sido gravada, Nordeste Independente ganha força a cada episódio que tenta cortar a honra do nordestino, como o patrocinado pela Veja SP. Claro que a letra é um desabafo, um “grito” que tenta dar um basta nas inúmeras tentativas de desrespeito, de menosprezo investidos contra os quase 53 milhões nordestinos. É uma forma de mostrar apenas um pouco do valor que a Região possui (e um pouco porque temos outros e muitos outros) e, ao mesmo tempo, uma puta injeção de autoestima.

Nordeste Independente

“Já que existe no Sul esse conceito/ Que o Nordeste é ruim, seco e ingrato/ Já que existe a separação de fato/ É preciso torná-la de direito/ Quando um dia qualquer isso for feito/ Todos dois vão lucrar imensamente/ Começando uma vida diferente/ De que a gente até hoje tem vivido/ Imagina o Brasil ser dividido/ E o Nordeste ficar independente

Dividindo a partir de Salvador/ O Nordeste seria outro País/ Vigoroso, leal, rico e feliz/ Sem dever a ninguém no exterior/ Jangadeiro seria o senador/ O cassaco de roça era o suplente/ Cantador de viola, o presidente/ O vaqueiro era o líder do partido/ Imagina o Brasil ser dividido/ E o Nordeste ficar independente

Em Recife, o distrito industrial/ O idioma ia ser nordestinense/ A bandeira de renda cearense/ "Asa Branca" era o hino nacional/ O folheto era o símbolo oficial/ A moeda, o tostão de antigamente/ Conselheiro seria o inconfidente/ Lampião, o herói inesquecido/ Imagina o Brasil ser dividido/ E o Nordeste ficar independente

O Brasil ia ter de importar/ Do Nordeste algodão, cana, caju/ Carnaúba, laranja, babaçu/ Abacaxi e o sal de cozinhar/ O arroz, o agave do lugar/ O petróleo, a cebola, o aguardente/ O Nordeste é autossuficiente/ O seu lucro seria garantido/ Imagina o Brasil ser dividido/ E o Nordeste ficar independente

Se isso aí se tornar realidade/ E alguém do Brasil nos visitar/ Nesse nosso país vai encontrar/ Confiança, respeito e amizade/ Tem o pão repartido na metade/ Temo prato na mesa, a cama quente/ Brasileiro será irmão da gente/ Vai pra lá que será bem-recebido/ Imagina o Brasil ser dividido/ E o nordeste ficar independente

Eu não quero, com isso, que vocês/ Imaginem que eu tento ser grosseiro/ Pois, se lembrem que o povo brasileiro/ É amigo do povo português/ Se um dia a separação se fez/ Todos os dois se respeitam no presente/ Se isso aí já deu certo antigamente/ Nesse exemplo concreto e conhecido/ Imagina o Brasil ser dividido/ E o Nordeste ficar independente



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