Transporte público coletivo é alternativa viável para os centros urbanos e ajuda no orçamento de muitas famílias

21/02/2019


Por Andréa Moura

Para quem ganha cerca de um salário mínimo e meio por mês, e tem  a obrigação de pegar seis ônibus por dia para poder ir e voltar ao trabalho, se não fosse o sistema de transporte integrado que “unifica” os terminais de ônibus do transporte público coletivo dos municípios de Aracaju, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão, o gasto financeiro com a tarifa, somente para esta finalidade comprometeria, ao final do mês, uma parcela significativa da renda familiar.

Este é o caso da encarregada de setor Gisélia da Cunha, 35 anos de idade, que reside no conjunto Eduardo Gomes, em São Cristóvão, e trabalha na capital sergipana. Ela afirma que, levando em consideração as despesas mensais que possui junto com o marido para o sustento da casa e das duas filhas pequenas, ir para o trabalho de ônibus é primordial.

“Moro longe do trabalho e, por causa do choque de horário, nem sempre meu esposo pode ir me levar ou buscar, ou seja, tenho mesmo que ir para o trabalho de ônibus. Não é fácil, é cansativo, pois são seis ônibus por dia, mas certamente poderia ser mais difícil se tivesse que pagar cada uma dessas tarifas e não apenas duas, portanto, o sistema que usamos, apesar de não ser o desejado por várias questões, ainda me concede certo benefício no final do mês”, comentou. Se ela tivesse que pagar pelas seis tarifas, ao final do mês seriam R$ 576 a menos no orçamento doméstico.

Dentre os motivos que fazem com que Gisélia da Cunha não classifique o serviço público de transporte coletivo como cinco estrelas está a demora para conseguir chegar do Eduardo Gomes à Coroa do Meio. “Acabo perdendo muito tempo porque, entre um ônibus e outro, a espera é grande. Se tivessem mais veículos nos itinerários facilitaria a vida do trabalhador”, enfatizou.

Terminal do Centro é um dos que integram o sistema da SMTT - Foto André Moreira

Em Aracaju, de acordo com a Secretaria Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), existem seis terminais de integração: o da Zona Sul, do Distrito Industrial, Zona Oeste, Centro, Mercado Central e da Visconde de Maracaju, além dos existentes na região metropolintana, portanto, nos municípios de São Cristóvão, Socorro e Barra dos Coqueiros.

A estimativa da SMTT/Aju é de que, diariamente, uma média de 220 mil pessoas circulem por esses locais nos ônibus do sistema. O pensamento da encarregada de setor é muito parecido com o da depiladora Crislaine Melo Santos, 26 anos de idade, residente no Bairro Santo Antônio.

Embora o marido de Crislaine tenha carro próprio, a diferença no horário de jornada de ambos acaba fazendo com que ela vá para o trabalho, localizado no bairro 13 de Julho, de ônibus. Embora a distância entre esses dois pontos não seja grande, ela conta que gasta cerca de uma hora para completar o trajeto e que, devido ao não cumprimento dos horários pelos veículos, já chegou a esperar a condução por uma hora, no terminal do Centro.

“Pego quatro ônibus por dia e saio de casa perto das 6h30 para poder estar no trabalho no horário correto. Apesar de tudo, este é um meio de transporte importante demais para mim porque dependo dele para minha locomoção até o emprego, e sei que, sem ele, as coisas seriam mais complicadas. Porém, o sistema poderia facilitar ainda mais a vida de quem depende dele e uma das formas seria fazendo com que os veículos cumpram os horários estabelecidos, porque uma hora de atraso acaba gerando mais transtorno, como ônibus super cheio, pois todo mundo quer chegar logo em casa após um dia exaustivo”, comentou.

É UM DOS MENOS ONEROSOS

A realidade da agente de viagens Andreza Cristines Santos Gomes, 36 anos de idade, está ainda mais ligada ao modal rodoviário coletivo, pois ela e os demais membros da família utilizam os veículos do sistema para toda e qualquer atividade cotidiana. “Usar ônibus é extremamente importante para mim, pois não tenho carro e usar táxi para a minha locomoção sairia muito oneroso. Para mim, seria financeiramente inviável até mesmo usar as opções com custo mais baixo, como os serviços por aplicativo, para todas as atividades que realizo. Portanto, o transporte público é sim a melhor saída para o meu dia-a-dia e, como usuária, gostaria muito que algumas melhorias fossem feitas para nos oferecer maior comodidade”, observou Andreza Cristines. Ela utiliza quatro veículos diariamente somente no itinerário casa/trabalho/casa.

A agente de viagens Andreza Cristines. Foto - arquivo pessoal

Dentre as sugestões da agente de viagem estão o uso de um aplicativo que mostrasse o deslocamento do veículo em tempo real, pois, segundo ela, isso facilitaria a vida do usuário; ventilação ou outro tipo de dispositivo que minimizasse o calor dentro dos coletivos, afinal de contas, as temperaturas em Aracaju têm se mantido altas de janeiro a janeiro; atualização de toda a frota, pois ainda estistem alguns carros em estado precário e, por fim, estudo para verificar a demanda em determinados horários do dia.

O sistema de transporte público coletivo é, ainda, o que move pessoas a irem em busca dos sonhos, como no caso de Wendel Ferreira, 33 anos, que utiliza o serviço para procurar ocupação. “Depois que me tornei desempregado saio praticamente todos os dias em busca de um novo emprego e faço isso de ônibus, porque muitas vezes o lugar onde estão ofertando a vaga fica longe da minha casa e, se eu fosse a pé, além de ter que caminhar uma ou duas horas, me apresentaria na empresa todo descabelado, suado, enfim, completamente inapropriado”, disse sorridente e confiante de que, em breve, o ônibus terá outro papel na vida dele: o de levá-lo para o novo trabalho.

JANELA PARA OPORTUNIDADES

De acordo com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Aracaju (Setransp), de janeiro a novembro do ano passado foram transportados, diariamente, pela frota composta por 585 veículos uma média de 250 mil pessoas. Esses veículos são das sete empresas que compõem o sistema: Atalaia, Modelo, Halley, Capital, Progresso, Tropical e Paraíso, que juntas empregam diretamente 3,5 mil pessoas e geram, indiretamente, outras quatro mil ocupações.

Alguns desses empregos indiretos estão dentro dos seis terminais de integração: são os vendedores autônomos, que segundo informações da SMTT chegam a ser pouco mais de 160 distribuídos pelos terminais localizados na capital. São pessoas que, na maioria dos casos, vendem alimentos e bebidas não alcóolicas e que conseguem tirar o sustento da família dessa atividade informal, a exemplo de Maria Auxiliadora Santos, 43 anos de idade, que há quase dois anos vende, esporadicamente, lanches no terminal do Mercado.

“Perdi o emprego de carteira assinada e, com filho para criar e contas para pagar não podia ficar parada ou deixar que o desespero tomasse conta de mim, por isso, juntei as forças e vim para o terminal vender balas, biscoitos e afins para ajudar na renda da família. Não me arrependo, porque aqui encontrei outra forma de manter minha família e ainda faço amizades, ouço histórias, enfim, vejo a vida acontecer”, declarou.

DIREITO ASSEGURADO NA CF

O transporte público é um direito essencial do cidadão garantido pela Constituição Federal Foto - André Moreira

O transporte coletivo público é um direito essencial do cidadão brasileiro garantido pela Constituição Federal no Capítulo II, mais precisamente no Artigo 6°, onde estão descritos os direitos sociais dos indivíduos; e no Capítulo IV, onde estão descritas as competências dos municípios, especificamente no item V do Artigo 30, que diz “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.

De acordo com o documento “Construindo hoje o novo amanhã: propostas para o transporte público e a mobilidade urbana sustentável no Brasil”, feito pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) em julho de 2018, e que tornou-se carta para as candidaturas eleitorais de 2018, cerca de 50 milhões de pessoas dependem do transporte público para trablahar, estudar e realizar todas as atividades no país, sendo que, 86% desse total utilizam os ônibus urbanos nos deslocamentos diários.

Ainda segundo a carta, “a sociedade brasileira enfrenta, atualmente, graves desafios em todos os níveis que se desdobram em inúmeros problemas concentrados nos territórios urbanos, responsáveis por abrigar mais de 80% da população do país. A viabilidade futura dos espaços urbanos e a mobilidade eficiente, sustentável e inclusiva apresentam-se como questões centrais nesse conjunto de desafios, sendo a verdadeira base sobre a qual se estrutura a organização social e econômica das cidades, indispensável para o alcance da qualidade de vida, a plena inserção econômica e a redução das desigualdades sociais da população”.

Para o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconomicos em Sergipe, (DIEESE/SE), Luis Moura, atender a necessidade de locomoção da população levando o maior número possível de indivíduos pelo menor custo possível é o objetivo primordial do trasnporte público coletivo, cuja composição não se restringe apenas ao ônibus, mas pode ter também o barco, o metrô e o trem. Por causa dessa finalidade, ele concorda que a vida nos grandes centros urbanos precisa do transporte público, e considera válido que as autoridades competentes sejam favoráveis ao coletivo e não ao transporte  individual (carro, especificamente, segundo Luis Moura), entretando, que deem as condições necessárias para que os usuários sejam realmente beneficiados pelo sistema.

“O transporte público gera muitos benefícios, e entre eles está a melhoria da qualidade de vida à medida que evita a emissão de muitos gases poluentes e é uma das soluções para os engarrafamentos. Existe ainda toda a questão econômica. Imagine se cada uma das cerca de 200 mil pessoas que usam o sistema de transporte púbico coletivo em Aracaju estivessem dentro de um carro, a cidade viveria em um eterno caos. De alguma forma teremos que conviver com esse sistema sendo o nosso principal meio de transporte”, observou o economista.

MELHORAR O SISTEMA É POSSÍVEL

Na carta “Construindo hoje o novo amanhã: propostas para o transporte público e a mobilidade urbana sustentável no Brasil”, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos lançou algumas sugestões de ações para a melhoria do sistema, e dentre os itens elencados estão:

em 2018 a NTU lançou uma carta, para os então candidatos políticos, contendo propostas para melhorar o sistema. Foto- André Moreira

- Criação de um programa de investimentos do Governo Federal para financiar a implantação, pelas prefeituras, de medidas de priorização do transporte coletivo no sistema viário (corredores e faixas exclusivas), complementadas pela qualificação dos pontos de parada, informação ao usuário e fiscalização eletrônica (Sistemas BRS), a partir de projetos desenvolvidos no âmbito municipal e por meio de processo simplificado de enquadramento e liberação de recursos pelo Ministério das Cidades (esse Ministério foi extinto pelo atual presidente da República);

- Criação de um programa de padrões de qualidade que inclua a seleção dos indicadores, estruturação e implantação de ações em prol da qualidade do transporte público, incluindo a adequação dos programas de capacitação dos colaboradores e a criação de um sistema de acompanhamento, baseado no estabelecimento de metas aferidas por pesquisas periódicas;

- Recuperar parcela dos usuários excluídos do transporte público por falta de condições financeiras para pagar as passagens, por meio de ações de valorização do transporte público e da adoção de uma nova política tarifária;

- Utilizar o ambiente dos ônibus urbanos, durante o período de tempo que os passageiros passam em viagens, para realização de ações de cidadania por meio da oferta de informação e formação com foco nas áreas de saúde, educação, cultura e lazer;

- Criação de um programa de transparência que produza informações claras e transparentes sobre a quantidade de serviço de transporte ofertado em cada rede de transporte, sobre a demanda atendida e as receitas auferidas, e sobre os custos dos sistemas, por meio do uso das ferramentas de bilhetagem e de gestão operacional para levantamento dos dados;

- Adotar a tendência mundial, na qual o transporte público coletivo urbano é considerado insumo essencial da atividade e do desenvolvimento econômico, tendo, por essa razão, seus custos suportados por toda a sociedade e não apenas pelos usuários diretos. Isso seria realizado por meio da adoção de um novo modelo de financiamento do custeio do transporte público coletivo urbano, no qual a receita tarifária é complementada por meio de uma cesta de fontes de receitas não tarifárias e desonerações para cobrir os custos totais dos serviços prestados, viabilizando, assim, a melhoria da qualidade do transporte sem onerar exclusivamente o usuário. (Fotos de André Moreira)



Comentários

Janaina comentou:
Que as recomendações da carta para o transporte urbano não fiquem só no papel. Excelente matéria!!

Deixe um Comentário

Nome
E-mail
Comentário