Fisioterapeuta: conheça a importância deste profissional na luta contra a COVID-19

03/06/2020


Por Andréa Moura

“Não está sendo fácil. Entrei na ala COVID do HUL por escolha própria, quis contribuir de alguma forma neste período de pandemia, e o meu trabalho foi a forma que encontrei para ajudar. Entrei consciente do que podia acontecer comigo ou o que eu iria encontrar lá. Sou uma pessoa muito família, e isso foi uma das coisas que falei pra minha mãe: encarei como uma missão”. Esta declaração é do fisioterapeuta Márcio Ribeiro de Souza Filho, há 14 anos na profissão e, atualmente, linha de frente no combate à COVID-19 no Hospital Universitário de Lagarto (HUL), localizado no interior de Sergipe, no município de mesmo nome que a unidade hospitalar.

Antes desta empreitada contra o coronavírus, Márcio Ribeiro atuava como fisioterapeuta da equipe de cuidados paliativos/comissão de óbitos/NEP do mesmo hospital, onde trabalha há dois anos. Ele também atua no centro de especialidades do município baiano de Esplanada. Mestre em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Márcio é pós-graduado em Terapia Manual e Postural pelo CESUMAR e integra o Grupo de Pesquisa da Divisão de Neurologia e Epidemiologia da UFBA.

Para conhecer um pouquinho mais sobre o trabalho do fisioterapeuta neste momento de pandemia causada pelo novo coronavírus e sobre como ele tem feito para manter a saúde mental em dia, nós, do PRA VOCÊ SABER, conversamos um pouco com ele e, a partir de agora, você passa a conhecer mais sobre a importância deste profissional na luta contra a COVID-19.

PRA VOCÊ SABER - Pouco se fala, mas, o fisioterapeuta é profissional fundamental para o front de batalha contra a COVID-19, nos explique o porquê.

MÁRCIO RIBEIRO DE SOUZA FILHO - Alguns profissionais da saúde têm sido reconhecidos e elogiados pela atuação nessa pandemia do Covid-19. Mas, poucas pessoas sabem, de fato, o que ocorre dentro de uma UTI ou da enfermaria Covid-19, na verdade não só em uma ala COVID, estendo esse desconhecimento até mesmo para quando não estamos diante de uma pandemia. Poucas pessoas sabem da importância do Fisioterapeuta e de tantos outros profissionais de saúde no âmbito hospitalar e, menos ainda, na linha de Frente contra a Covid-19. Dentre as várias funções que exercemos, somos nós, fisioterapeutas, que estamos controlando o ventilador mecânico/respirador, necessário para oferecer ao paciente com COVID-19 o funcionamento adequado da respiração, com uma ventilação segura e protetora, que conseguimos através de ajustes realizados com base em exames de imagens como Raio-X ou tomografia do pulmão, ausculta pulmonar, e por meio de inúmeros cálculos feitos através da gasometria, que é um exame de sangue colhido de uma artéria pelo médico, que nos ajuda a avaliar os gases distribuídos no sangue, o PH, o equilíbrio ácido-básicos e cálculos no próprio ventilador mecânico como Pressão Platô, Driving Pressure, Peep ideal, FiO2 ideal, Volume pulmonar ideal, etc.

Além dessa importante função, nós, fisioterapeutas, participamos da avaliação do paciente junto com a equipe médica e de enfermagem, discutimos cada caso, oferecemos a adequada oxigenioterapia ao paciente de acordo com a saturação que ele apresenta, realizamos a fisioterapia motora (exercícios, alongamentos, transferências, deambulação, etc) e mudanças de decúbito com intuito de prevenir contraturas, deformidades e úlceras por pressão (escaras), pois, muitos pacientes apresentam perdas funcionais importantes, por ficar muito tempo acamados e sedados, sem falar dos que já entram na ala com comorbidades prévias ou sequelados por alguma outra doença, como por exemplo, pacientes sequelados por AVC (derrame), que necessitam de uma atenção maior na reabilitação motora.

Nós, fisioterapeutas, também atuamos no processo de intubação junto com a equipe médica e de enfermagem promovendo a ventilação do paciente, atuamos no processo de extubação (retirada do tubo orotraqueal) do paciente que consegue vencer a COVID-19 e necessita de uma tosse eficaz, boa saturação de oxigênio e força muscular respiratória. Além de aspiração de secreções das vias aéreas superiores e do tubo (através do sistema de aspiração fechada) quando os pacientes não apresentam tosse eficaz e não conseguem expectorar a secreção.

Mário Ribeiro pronto para mais um dia de luta contra a COVID-19. Foto: arquivo pessoal

Outra importante função da atuação do Fisioterapeuta na COVID-19 é na tão falada posição prona (pronação), na qual o paciente com hipoxemia grave com Síndrome da Angústia Respiratória Aguda é colocado de decúbito ventral (barriga para baixo). Esse posicionamento explora a gravidade e ajuda a recrutar os alvéolos pulmonares e melhorar a relação ventilação/perfusão e a oxigenação. Infelizmente nem todo hospital conta com o profissional Fisioterapeuta 24h na UTI ou na enfermaria, e mudar esta realidade é uma das lutas da nossa classe. Ao receber alta este paciente deve dar continuidade à reabilitação cardiorrespiratória no âmbito ambulatorial com o fisioterapeuta especializado.  

PVS - Por que se fala muito em médicos e enfermeiros, e nunca dos fisioterapeutas?

MRSF - Talvez pelo desconhecimento da nossa função e importância, ou talvez pela desvalorização do próprio profissional fisioterapeuta, ou pelo pouco caso feito pela mídia, mas, felizmente, temos profissionais do jornalismo comprometidos e competentes como vocês, que nos ajudam a mudar esse panorama. Cada profissional tem sua importância neste processo, desde o pessoal da higienização, que são fundamentais, ao médico.  Infelizmente, nós, fisioterapeutas, não somos tão reconhecidos e valorizados como deveríamos. Não consigo imaginar um hospital sem um fisioterapeuta. Quando falam que somos heróis nessa batalha contra a COVID eu sempre rebato que não somos heróis, estamos fazendo nossa parte, esse é  o nosso trabalho, porém, gostaríamos de ser mais valorizados, reconhecidos e que nossos direitos (carga horária, EPIs adequados, insalubridade máxima etc.) fossem respeitados.

PVS - Como tem sido, para você, estar na linha de frente da luta contra a COVID?

MRSF - Não está sendo fácil. Entrei na ala COVID do HUL por escolha própria, quis contribuir de alguma forma nesta pandemia, e o meu trabalho foi a forma que encontrei de ajudar. Entrei consciente do que podia acontecer comigo ou do que eu ia encontrar lá. Sou uma pessoa muito família e isso foi uma das coisas que falei pra minha mãe: encarei como uma missão. É uma responsabilidade muito grande estar na linha de Frente, me capacitei através do HUL para estar lá e encarei. Estar na ala COVID-19 é como estar em um campo de batalha lutando contra algo ainda pouco conhecido. Não é fácil, repito. Muitas vezes bate tristeza, alguns pacientes intubados estão muito graves, com hipoxemia severa e você sente uma sensação de impotência após tentar de tudo. Faço plantão de 12h. Ao chegar no hospital coloco a roupa cirúrgica e os EPIs, fico seis horas paramentado atendendo e evoluindo os pacientes. Temos um intervalo para almoço ou janta e, nesse período, nos desparamentamos e aproveitamos para nos alimentarmos, bebermos água e ir ao banheiro. Sinto muito calor ao estar paramentado e a máscara deixa marcas ou ferimentos no rosto. Os pacientes não te reconhecem, as visitas aos pacientes são proibidas, infelizmente. Isso tudo deixa o plantão mais pesado, com uma carga emocional grande. É triste ver o paciente com saudade da família, perguntando por eles, sem poder vê-los. É  triste não poder ver ou se despedir do familiar ao partir, não somos pedras de gelo, o profissional também tem sentimento. Sem falar que você fica isolado da família e amigos. Meus pais são idosos, meu pai é cardíaco, então preferi não ter contato com eles nesse período que estou na ala COVID pelo risco de contaminação. Acho que me manter distante, neste momento, é uma prova de amor. Como trabalho em duas cidades, Lagarto/SE e Esplanada/BA, e resido em Salvador, fico me deslocando de casa/pousada para o trabalho e vice-versa.

PVS - Este momento vai marcar sua vida profissional? Sim ou não, e por qual motivo?

MRSF - Muito. Está sendo uma das maiores experiências da minha vida. Uma experiência difícil que traz consigo muito aprendizado e crescimento não só profissional, como também pessoal. Me sinto um profissional cada vez mais capacitado. Tenho estudado mais, porque o desconhecido faz você investigar e buscar respostas (isso vem um pouco do pesquisador). Participei de capacitações e sei que tenho muito a aprender ainda. Vejo o quanto é importante uma equipe multi e interdisciplinar, e o quanto o trabalho fica mais fácil quando você tem uma equipe boa, comprometida e coesa. Além disso, o fato de estar todo o tempo só me faz ter a chance VALIOSA de me conhecer melhor e conviver com minha própria companhia.

PVS - Há EPI e EPC suficientes e de boa qualidade para vocês da área da saúde?

MRSF - Por enquanto, no hospital onde trabalho, ainda há EPIs. Nem sempre temos o ideal ou o de melhor qualidade, mas, nunca faltou. Existe uma preocupação da gestão em economizar/racionalizar e uma conscientização dos profissionais para não vir a acabar. Porém, vejo muitos lugares sem EPIs adequados, alguns colegas relatam que em alguns hospitais não têm nem máscaras adequadas. EPIs adequados e higiene das mãos são fundamentais.

EPIs machucam o rosto dos profissionais de Saúde. Foto: arquivo pessoal

PVS - O EPI maltrata vocês? De que maneira?

MRSF - Os EPIs têm a função de nos proteger, porém, provoca alguns incômodos e deixa algumas marcas. Usamos roupa cirúrgica, máscara, óculos, touca, face Shield, capa impermeável, avental descartável e luvas. A máscara deixa o rosto marcado ou ferido quando utilizamos por tempo prolongado. Tive o queixo e nariz feridos. Sentimos dor na orelha por causa do elástico da máscara e óculos de proteção e, no meu caso, meus óculos de grau. A capa impermeável é quente, sentimos muito calor nos atendimentos, às vezes transpiro tanto que a roupa cirúrgica fica molhada de suor. As mãos ficam sensíveis de tanto a gente lavar e usar álcool gel. Não conseguimos ouvir o colega bem e, ao falar, temos que falar alto para o paciente ou o colega escutar.

PVS - O que mais lhe machuca, psicologicamente falando, quando o assunto é COVID-19?

MRSF - O isolamento social é algo que me incomoda e me entristece muito. Sou fisioterapeuta, escolhi a profissão do toque, do contato, gosto muito de abraçar e há três meses não tenho conseguido dar ou receber um abraço, sem falar que sou baiano e gostamos de casa cheia, de festejar, etc. Sinto muita falta da minha família e amigos. Me sinto, em alguns momentos, impotente diante dos pacientes graves, triste quando perdemos algum paciente para a COVID, triste pelas famílias não conseguirem visitar o enfermo ou se despedirem quando acontece um óbito. Angustiado e ansioso pela vacina. Revoltado quando vejo as pessoas que não respeitam o isolamento e todos os problemas do governo brasileiro. São muitos sentimentos...

PVS – E o que tem feito para manter a saúde mental? Quais os seus hobbies?

MRF – Gosto muito de ir à praia, ao cinema, a shows, de viajar, enfim, coisas que em virtude da pandemia não estão podendo ser realizadas. Então, o que tenho feito muito é assistir a filmes e séries na Netflix, mesmo assim, quando me sobra tempo.

PVS - Você tem visto muitas mortes em decorrência da doença?

MRSF - Algumas. Consigo lidar bem com a questão da morte, porque também trabalho com cuidados paliativos além das questões pessoais de crença religiosa. Porém, como falei anteriormente, a sensação de impotência é péssima nesses casos. Normalmente, esses pacientes que vi morrer não eram paliativos, tentamos de tudo, mas, não conseguimos bons resultados. É como perder uma batalha. 

 PVS - Depois de três meses após o primeiro caso confirmado no Brasil, o que você ainda vê dentro dos hospitais que parece ser inacreditável?

MRSF - Estamos entrando no pico, ainda. Quando comecei a atuar na ala COVID tínhamos pouquíssimos pacientes. Cada dia mais aumenta o número de pacientes, alguns chegam graves e já intubados. Temos poucos ventiladores mecânicos (respiradores), e isso nos preocupa muito. Alguns pacientes estão vindo de Aracaju porque não há mais vagas nas UTIs públicas. Temos déficit de profissionais e EPIs. Mas, também tivemos boas surpresas, como algumas altas de pacientes COVID+ que foram intubados, extubados e foram para casa. 

PVS - Muita gente diz que é mentira, que é exagero e, por isso, está a toda e qualquer hora nas ruas, sem proteção. O que você diria para essas pessoas?

MRSF - É muito triste para o profissional que está na linha de frente ver um paciente grave vir a óbito por COVID e, ao chegar em casa, se deparar com as notícias na TV e acompanhar tudo o que vem acontecendo: as pessoas nas ruas sem máscaras, aglomerações, filas nos bancos, festinhas particulares de influenceres, problemas no governo, manifestações irresponsáveis, etc. A sensação que tenho é de trabalho perdido.  Eu já ouvi na padaria e no mercado algumas pessoas dizendo que isso tudo é coisa de política, que é exagero da televisão. Para essas pessoas eu digo e peço que, se possível, fiquem em casa, pois, não está fácil para ninguém. Não temos respiradores suficientes. Vai chegar o momento, aqui em Sergipe, que teremos que escolher quem vai pro tubo e quem infelizmente não vai. Isso já vem acontecendo em outros Estados.

PVS - Você perdeu alguém querido para a doença, seja amigo, parente ou colega de trabalho?

MRSF - Graças a Deus ainda não.  Muitos colegas e amigos já foram contaminados pela COVID-19, mas tiveram sintomas leves e hoje estão bem. Conheço pessoas que perderam amigos ou familiares.

PVS - Qual a sua maior esperança, hoje?

MRSF - Gostaria de acordar amanhã e ter a vacina contra a COVID-19 sendo distribuída. Gostaria que tudo isso acabasse logo. E a minha esperança é que mesmo com a vacina ou o medicamento possamos sair dessa pandemia com muitas lições, que possamos sair seres humanos melhores , mais responsáveis conosco, com os nossos, com o próximo, e com o nosso planeta. O vírus está aí pra nos mostrar que não importa se você é branco ou preto, rico ou pobre, somos iguais, frágeis e estamos todos no mesmo barco.



Comentários

Enio Moraes Junior comentou:
Um texto denso e oportuno sobre uma questão social importante. Parabéns!!!

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